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O Primeiro Homem



Damien Chazelle tem 33 anos, é estadunidense e dirigiu apenas três filmes. No segundo filme, (Wiplash, 2014), conseguiu cinco indicações ao Oscar, no terceiro (La la land, 2016), treze indicações e o Oscar de melhor diretor, tornando-se a partir de então o mais novo cineasta a receber a estatueta. Esse é um rápido resumo da carreira do diretor que assumiu para si a reprodução para os cinemas da biografia oficial e autorizada de Neil Armstrong, uma das maiores personalidades da história e logo vocês saberão porque iniciei esse texto falando dele.





Durante as quase duas horas e meia de projeção de O Primeiro Homem, acompanhamos Neil (Ryan Gosling) durante seus prováveis mais importantes anos da vida, do seu egresso na Nasa, o início das missões Apollo e a tão esperada descida à Lua durante a missão Apollo 11.

A chegada do homem à Lua talvez seja a história mais fantástica da humanidade. Por si só ela teria todos os ingredientes para a construção de um gigantesco blockbuster dirigido por James Cameron, com sons de orquestra, astronautas galãs e heróis, a multidão em êxtase e a bandeira americana fixada em solo lunar. Teria, se Chazelle não estivesse à frente da direção e produção do longa. Ele faz toda a diferença, e transforma O Primeiro Homem em uma experiência visual, técnica e profundamente imersiva na mente de um homem que, antes de tornar-se a maior figura da corrida espacial, é um ser humano comum e suscetível a todos os nossos problemas mundanos.

E para falar desse Armstrong desconhecido do grande público, Chazelle vale-se de um recorte profundo e pesado na vida do astronauta: a morte precoce de sua filha. A partir desse momento, toda a trajetória dentro da Nasa torna-se plano de fundo para a história de alguém buscando por um sentido na vida. Questionamos por exemplo, se o fato de Armstrong se mostrar tão compenetrado em seu trabalho faz parte de sua personalidade fria e técnica ou de alguém que vê no trabalho uma forma de fugir de seus conflitos internos.

Uma passagem que sustenta isso é a cena de Neil no quintal de casa após o acidente com a Apollo 1. Ao ser questionado por um amigo para se juntar com os demais, sua resposta ríspida e franca: “Você acha que se eu quisesse conversar eu não estaria lá dentro?”




Outros pontos de “O primeiro homem” também agregam a construção dessa narrativa. Mas é importante observar que não se trata de um filme fácil, e isto se dá muito pelo teor contemplativo e o tom solitário adotado pelo personagem principal. Chazelle não tem pressa, e aproveita todo o tempo para inserir o espectador dentro da tortuosa e perigosa rotina da Nasa. Novamente, sem nenhum glamour e flertando com a insanidade. O diretor mostra isso fazendo bom uso de tomadas fechadas e claustrofóbicas dentro das naves dos astronautas, das rotinas de treinamentos e os testes práticos. Aliás, a maneira como Chazelle conduz a câmera é de um detalhismo fantástico. Justifico:

Durante grande parte do longa, o diretor abusa de enquadramentos apertados e da câmera fechada por meio de planos fechados, closes, e muitos planos detalhes. Nos testes dentro das naves a câmera não para, tremendo sem parar. E tudo isso incomoda, tudo isso angustia, tudo isso afasta. O filme inteiro caminho dessa maneira até chegarmos a Lua. Ali, pela primeira vez a câmera flutua, para, respira e se abre em uma visão panorâmica em primeira pessoa de tirar o fôlego. E tira tanto o fôlego que até a trilha sonora e os ruídos sessam para imperar o eterno silêncio do espaço que só é interrompido pelas clássicas frases de Neil. São minutos mágicos. Todo o filme é construído para aquela cena, e ela vale cada segundo visto.

Agora perceba o nível de complexidade disso: pois, pisando em terrenos tão instáveis como trabalhar com alguém sem nada de carisma e dentro de um estilo de filmagem desconfortável, o diretor consegue, ao mesmo tempo inserir ao longa o estresse e incômodos vividos por Neil e causar proximidade com o protagonista. E aqui, voltamos para Neil e seu estado de letargia atenuado pela atuação minusciosa de Gosling.

Estamos acostumados a acompanhar protagonistas carismáticos e com grande apelo emocional. E aqui, tanto o roteiro quanto a atuação de Gosling, de forma proposital, não oferecem isso. Exemplo claro é a cena na sala de jantar: próximo da viagem à Lua e de todos os enormes riscos, Neil evita o contato com os filhos, e quando isso ocorre, mais parece uma coletiva de imprensa do que uma conversa em família. Nesse ponto, perceba a angulação de câmera que coloca uma coluna de madeira entre Neil e a sua família, mostrando fisicamente que existe um certo distanciamento entre eles.

A intenção de Chazelle com isso não é de criarmos laços com o protagonista, mas de provocar questionamentos para tentar compreender tudo o que se passa dentro dele naquele e em todos os momentos que o vemos em cena.

E é onde chegamos a cena final, e onde toda a poesia de Chazelle se encerra, isso porque, após a maior viagem que um homem já realizou, após a maior distância já percorrida, após atingir uma façanha impensável e por muitos dita como impossível, entendemos que não importa o quão longe formos, nada importa se dentro de nós algo não está de acordo. O que nos afasta não é a distância física ou geográfica, mas a distância como pessoas. E nesse caso, não importa estarmos a mais de 380 mil quilômetros ou divididos por uma parede de vidro. Não existe medida de comprimento para o que sentimentos.

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