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Nasce uma estrela (2018)




Vi esse filme já a algumas semanas, mas apenas agora me senti à vontade para escrever sobre. Isso porque, em sua segunda camada, “Nasce uma estrela” mostra-se denso e pesado. E não há como negar ser esse seu principal destaque, tirando-o do patamar de filme mediano e justificando o status atemporal de uma história que vem sendo recontada há mais de 80 anos.






“Nasce uma estrela” conta a história de Jackson Maine (Bradley Cooper, que também dirige o filme), um consagrado cantor country que sofre de alcoolismo e vive um momento de reencontro a traumas do passado. Ocasionalmente encontra Ally (Lady Gaga) e descobre nela um potencial musical e um grande amor.

É a quarta vez que a história de “Nasce uma estrela” é contada no cinema, e só por esse fato é questionável a necessidade de tamanhas regravações. No entanto, mesmo com uma história batida, o diretor consegue desenvolver originalidade ao roteiro, fugindo de uma possível trama tradicional e tocando em pontos fortes na vida dos protagonistas, fazendo disso seu principal propulsor e também causando uma desconfortável sensação ao espectador mais penetrado na história.

O primeiro ponto de destaque é a história de Jack e seus vícios. Encontramos o protagonista em um momento delicado, onde não encontra mais prazer ao fazer seus shows (tanto que o momento de encarar os palcos sempre é precedido de doses de whisky e cocaína), em conflitos com o irmão, que também é seu produtor e sofrendo com a recorrente perda da audição. Situação essa nada agradável para um músico. A partir desse cenário é ousado da parte de Cooper tanto na direção quanto atuando mostrar a doença do alcoolismo sem máscaras ou dramatização. Isso faz com que Jack, que surge como um astro carismático e talentoso siga um caminho que vai sendo denegrido por ele mesmo.
Cooper aqui merece muitos elogios, colocando Jack na linha tênue entre o carisma a repulsa, e principalmente, nunca tomando partido de uma ou outra. O sentimento por Jack, até o final da projeção permanece uma incógnita.

Então a vida dele se cruza a de Ally. Alguém que buscava o estrelato, mas que foi barrada várias vezes, não pelo talento, mas pela beleza. No caso, a falta dela. A história da personagem não deixa de se cruzar um pouco com a da cantora Lady Gaga, que talvez por vivenciar nas telas algo tão parecido com a própria realidade, entrega uma Ally extremamente convincente e forte. E aqui também já podemos tocar em alguns pontos questionáveis do filme, que ficam para a interpretação de cada um.




O suporte para toda a trama dos dois se baseia no sentimento entre um e outro. Sentir que o relacionamento é real é o que vai dar força todo o restante da história, as músicas e conflitos. Infelizmente a maneira como o relacionamento dos dois é criada não me convenceram, muito pela rapidez com que os acontecimentos ocorrem e muito pela forma com que certos episódios são contados. E aqui aponto dois lados da história:

No primeiro, podemos entender a relação de Jack para com Ally como opressora, e muitos fatos justificariam tal argumento, como o segurança particular de Jack dizendo “eu não vou sair daqui até você vir comigo”, o ciúme dele diante do crescimento da carreira dela, a cena na banheira e a já polêmica cena do cup cake. Do outro lado, podemos também entender essas mesmas cenas como parte da doença de Jack e seus vícios. Uma vez que estando apaixonado por Ally, ela agora se torna sua dependência, como em certa cena em que após um período de sobriedade, Ally comenta que não poderá acompanha-lo durante um show. Neste mesmo show Jack usa como companhia novamente o álcool.

Sim, é polêmico. Mas entendo que o principal fator de sucesso do filme é justamente não tomar partido sobre a real situação que ocorre. Infelizmente somos bombardeados por um tipo de cinema com final feliz e história idealizadas. Nesse sentido “Nasce um estrela” foge de todos os clichês, trazendo uma história de amor (ou de vício?) realista, com todos seus prós e seus contras.

Uma cena em específico reforça esse pensamento. Logo no primeiro encontro dos dois, Ally está caracterizada com peruca, maquiagem e sobrancelhas postiças. Sob uma forte luz vermelha Jack pede para vê-la como realmente é, e começa ele mesmo a descaracterizá-la, tirando as sobrancelhas. Esta cena pode muito bem ser interpretada como um gesto gentil dele, com o objetivo de tirar as máscaras e descobrir que ela é de verdade, dando início a então relação franca entre um e outro, como também um ato de transgressão, infringindo um espaço que não o pertence.

Esse mergulho na história inicial é o que fará você aproveitar “Nasce uma estrela” ao máximo, ou sentir-se dividido em boa parte da projeção. Mas as duas situações não tiram em nada a capacidade artística da obra, que não é perfeita, mas se coloca acima da média.




Exemplos disso, além do já discutido roteiro, é a direção de Bradley Cooper. Fazendo uso de muita câmera na mão, bons ângulos e uma relação intimista com os personagens, ele nos coloca dentro da relação. Acompanhamos tudo do lado de um ou do outro, ao ponto de tornarmos cúmplices. Exemplo claro disso é a impressionante cena do Grammy. Dado o ocorrido, é fatídico o sentimento do público de vergonha e embaraço, nunca flertando com o risco humor. Sinal claro de que a plateia foi ganha.
Não bastasse, na cena seguinte, em um momento de maior intimidade entre os dois, estamos a cerca de um metro deles, ocupando o mesmo espaço, e consequentemente, sofrendo junto.

Por fim, é impossível não falar das músicas. Todas, invariavelmente são perfeitas. É muito importante lembrar que as cenas dos shows foram filmadas dentro de festivais reais, o que traz uma veracidade absurda para a trama. E como um bom musical, as músicas não são simples adereços, mas também ajudam a contar a história.  É o caso das já clássicas Maybe its time, Always Remenber Us this Ways e Shallow (esta última, sem dúvida, composta pela melhor sequência do filme resultará no Oscar de Melhor Canção). Prepare-se para ouvi-las por dias.

Nasceu uma estrela possui camadas, e se o espectador estiver aberto a mergulhar fundo na história de Jack e Ally com certeza deixará a sala de cinema com vários questionamentos, dúvidas, o coração um pouco apertado e lágrimas no rosto.





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