Um filme, visto como obra de arte, pode gerar infinitas interpretações
que não necessariamente estejam na intenção inicial do realizador. Entre os
indicados ao Oscar, por exemplo, muitos podem sair incompreendidos do cinema ao
achar, por exemplo, que Wiplash é um filme sobre música quando na verdade traz
à tona uma crítica sobre o modo de educação autocrático. Ou que Birdman é uma
comédia com grife, quando trata das reviravoltas internas que atores vivem
antes e depois da fama. Ou até mesmo Boyhood, tachado de filme “sem história”
por muitos e que representa justamente o nosso modo de viver, sem roteiros, sem
reviravolta, tendo a vida como protagonista.
Seguindo essa
ideia de interpretar filmes, resolvi tirar conclusões que as películas indicadas
ao Oscar de melhor filme nesse ano podem trazer para o mundo dos negócios.
Lembrando que as resenhas não significam que gostei ou não do filme, apenas o
que retirei dele sobre essa visão. O filme pode muito bem trazer grandes
reflexões sobre certos temas e não me chamar atenção como obra cinematográfica
como um todo, como foi o caso de Wiplash. Ou representar apenas uma história de
ficção e merecer ser aplaudido em pé, como é o caso de Gravidade, vencedor de 7
Oscars em 2013.
Vamos
aos filmes:
Birdman (ou a inesperada
virtude da ignorância): Ego
Nunca é tarde para recomeçar. Riggan Thomson (Michael Keaton) é um
ator frustrado por recusar uma proposta milionária e que, após esse episódio,
nunca mais reencontrar o sucesso. O ator acaba encontrando no teatro a última
chance de mostrar ao mundo seu talento.
Dentre as várias
mensagens que Birdman propõe, a luta com o próprio ego talvez seja a mais
interessante. O personagem de Keaton sofre de uma certa culpa por ter recusado
o “papel de sua vida” e carrega esse lamento consigo durante toda a sua
carreira. Ao mesmo tempo em que se considera talentoso e especial, vê-se
incompreendido e esquecido pelo público. O lamento aqui é demonstrado por meio
de Birdman, o fantasma do seu passado que o atormento até hoje.
Para livrar-se
dele, Keaton arrisca. Cria uma peça independente na Broadway, produz, dirige,
atua, contrata atores, equipe cênica, tudo. Mas seu principal inimigo é ele
mesmo, controlar seus pensamentos, sua cabeça e seus desejos. A peça beira o
caos, as coxias do teatro, atreladas aos planos sequencias intermináveis do
diretor Iñarritu causam uma sensação de desordem, bagunça, e ao mesmo tempo que
a própria cabeça de Keaton o confunde, ele percebe que é o único que tem o
poder de controlar a situação.
A analogia é clara.
O revés é comum no mundo dos negócios, perder faz parte do jogo. No entanto,
manter viva a culpa dentro de si é um problema grave. É importante acreditar em
si, confiar no seu talento, buscar sempre seu momento ao sol para construir e
solidificar sua carreira. Assim, alçar voo é uma questão de tempo, de
oportunidade ou de persistência. Moral
da história: Muitas vezes o inimigo mais perigoso é você mesmo.
Cena memorável: Michael Keaton e Edward Norton filosofam em um bar,
após um ensaio desastroso.
Boyhood: Experiência/Aprendizado
O filme que levou doze anos para ser concluído e que acompanha o crescimento
de Manson, dos 6 aos 18 anos é uma ode a vida como ela é. Junto ao crescimento
físico de Manson acompanhamos seu crescimento intelectual, o aprendizado
proporcionado pelas experiências que vivenciou e como cada um desses fatos se
tornam um pedaço importante na construção de seu caráter e personalidade.
Assim é com todos
nós. Todos os momentos vividos, decisões tomadas, propostas aceitas têm suas
consequências. Manson passou boa parte de sua infância em ambientes
conturbados, mas a bravura de sua mãe e o diálogo franco que tinha com o pai o
fizeram trilhar seu próprio caminho. A equação então fica fácil, quanto mais
experiências favoráveis a sua carreira, mais sucesso virá em troca. Ambientes
desfavoráveis são comuns para todos, porém quanto mais preparado, mais fácil
será superar situações adversas, seja por meio do ensino, da prática, do
network ou da sua própria cultura do meio em que se vive.
Boyhood mostra o
quão importante é conhecer-se a si mesmo, suas origens, seu DNA. Saber quais são
os seus talentos, no que você é bom de verdade, investir, sempre que possível,
em si mesmo e claro, nunca deixar de viver a vida. Moral da história: A vida é uma acúmulo de experiências. O segredo é tirar proveito de todas elas.
Cena memorável: Ethan Hawke
tem uma conversa existencial com os dois filhos no quarto da casa
A Teoria de Tudo: Persistência/Amor
O filme dispensa apresentações. A
biografia de Stephen Hawking, um dos maiores físicos da história fala por si
só. Porém, o roteiro baseado no livro de Jane Hawking, sua primeira esposa,
chama a atenção por focar na relação familiar entre os dois em detrimento da
carreira de Stephen fora do lar. E aí o protagonista muda de papel. Mesmo com
uma atuação perfeita de Eddie Redmayne expondo toda a evolução da doença de
Hawking, é Felicity Jones que por muitas vezes rouba a cena interpretando Jane
Hawking. Na história, Jane conhece Stephen meses antes dele ser diagnosticado
com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e ouvir dos médicos que teria apenas
dois anos de vida. Mesmo sabendo disso ela resolve ficar junto de Stephen e
carrega nos ombros – literalmente – o futuro marido, as três crianças que
viriam e uma doença cruel e sem cura.
A
lição aqui é o amor em si, de sua forma mais pura e bonita. Jane doa a sua vida
a Stephen, que retribui e vê em Jane a companheira e amiga que nunca imaginara
ter. Talvez sem Jane, o mundo não conheceria o gênio Stephen Hawking. E talvez
sem “A Teoria de Tudo”, não percebêssemos o quão importante é a família para a
carreira e vice versa. No caso do filme, visto a nítida deterioração física de
Hawking, Jane acaba abrindo mão de grande parte da sua vida em detrimento a do
marido. Mas a visão tem que ser adaptada. Sem a sombra de uma doença
degenerativa, o apoio do casal deve ser mútuo, verdadeiro e pautado sempre em
nome do bem estar dos dois. Afinal, carreira sim é muito importante. Mas nada
se compara ao que se encontra dentro de um lar. Moral da história: Cerque-se de pessoas que te amam, e o mundo ficará
muito mais belo.
Cena memorável: Paralisado pela doença, Redmayne tem apenas a
expressão do olhar para se comunicar com Jane.
O Jogo da Imitação: Trabalho em equipe
Você
só está lendo este texto porque durante a segunda guerra, um matemático chamado
Alan Turing aceitou o pedido do governo britânico para decifrar um código
nazista e acabou criando uma máquina que hoje é vista como o primeiro
computador do mundo. O resto é história.
Turing
era um gênio de personalidade muito forte. A trama de “O Jogo da Imitação”
passeia desde o convite do exército britânico até o fim de sua vida, contando
com flashbacks de seu passado, explicando e muito suas opções e sua genialidade.
Egocêntrico e narcisista ao extremo, Turing é selecionado junto a um time
grandes matemáticos, mas opta por fazer seu trabalho sozinho, ficando de costas
para o grupo e consequentemente, criando intrigas.
Mesmo
com um conhecimento muito superior aos demais e com a melhor ideia, Turing se
vê impossibilitado de continuar sua estratégia porque acaba perdendo o apoio de
sua equipe. A luta de Turing para construir sua máquina, passa então a novos
desafios, como estabelecer a confiança de sua equipe, trabalhar em grupo e
principalmente ouvir. Outros detalhes que o filme traz é a necessidade de
planejamento e estratégia antes da ação e como muitas vezes sentimentos podem
interferir para a execução da melhor ideia. Moral da história: Uma mente brilhante não é nada sem uma equipe unida.
Cena memorável: O momento Eureka
de Alan Turing
O Grande Hotel Budapeste: Liderança
A
história maluca e fantasiosa do diretor Wes Anderson onde um concierge de hotel
é acusado de roubar um quadro tido como herança de uma antiga cliente, não
parece em nada ter alusão ao mundo dos negócios. Mas um dos principais trunfos
do filme revela uma lição muito importante.
Encenada
com brilhantes atuações de Ralph Fiennes e Tony Revolori, a química entre os
dois atores funciona como a simetria característica de Wes Anderson.
Acompanhamos aqui a evolução do jovem Zero (como ele é chamado) em seu ofício
de lobby boy, sob a tutela de Monsieur Gustave (Fiennes). A relação entre os
dois é de mestre com aprendiz, ou de líder com liderado. Zero segue minuciosamente
os passos de Gustave, que por vez se preocupa em transmitir ao menino todo o seu
conhecimento, vislumbrando nele a possibilidade de dar sequência ao seu
trabalho e consequentemente a sua profissão. A doação de Gustave para com Zero é
dividida com a admiração de Zero pelo Monsieur e o elo dos dois está montado. Uma
relação simples entre geração X e Y fantasiada no mundo de Anderson. Não é à
toa que no filme os dois superam as maiores adversidades sempre juntos, um
confiando no outro, líder ensinando, liderado aprendendo, ambos evoluindo. Moral da história: Um bom líder é aquele que ensina pelo exemplo
Cena memorável: Zero ajuda
Gustave com seu plano para fugir da prisão.
Wiplash: Treinamento/Sonho
Um dos filmes surpresa do Oscar
conta a história de um jovem baterista e sua relação com um professor de música
linha dura (J. K. Simmons) que tenta extrair o melhor de seus alunos por meio
de técnicas um tanto quanto controversas. Por mais que o filme represente uma
perfeita metáfora da relação chefe mau x funcionário esforçado, não acredito
que esse exemplo seja o melhor a ser seguido, até porque questiono sua eficácia
a longo prazo.
A
verdadeira lição do filme fica na persistência e dedicação do jovem Andrew
Neiman. Interpretado por Miles Teller, o jovem alimenta um sonho interno de ser
um grande baterista e se joga de corpo e alma a sua carreira. O resultado são
intermináveis dias de treinamento, repetições, exaustão e mãos sangrando de
tanto treino. No filme, Neiman, impulsionado pelo professor, ultrapassa seu
limite físico e psicológico, chegando a um estado de paranoia. É interessante a
análise para avaliar o quanto estamos dispostos a nos entregar por nossos
sonhos, mas também ficar atento ao quanto nossos próprios sonhos podem ser
nocivos a nossa vida. Neiman vive uma vida pressionada pelas carreiras bem
sucedidas dos familiares, o que faz querer trilhar o mesmo sucesso, e de um
professor que não tolera erros. A pressão interior do baterista acaba
tornando-se insuportável, levando o filme a um terceiro ato no mínimo surpreendente.
A moral aqui acaba sendo uma pergunta
reflexiva: qual é o custo do seu sonho?
Cena memorável: Apenar de
questionar sua veracidade, a cena final, vista isoladamente, beira a perfeição
Selma – Uma luta pela igualdade: Inspiração
O filme conta o início da jornada
do pastor Martin Luther King Jr. e da marcha histórica em defesa dos diretos civis
aos negros que partiu da cidade que dá nome ao filme. Como relato histórico,
Selma é impecável. Como inspiração também. A coragem e a bravura de Luther King
são estampadas pelo respeito, consciência e o talento absurdo de King em mover
multidões. Sua oratória como pastor de igreja foi o berço da revolta do povo
negro. Um líder nato, que em Selma nos revela um lado mais político e
conciliador.
O
filme retrata muito bem a exposição e o medo que King carrega durante sua
caminhada. Mesmo imponente e retumbante em frente ao microfone, o ator David
Oyelowo revela um Luther King precavido e temeroso nos bastidores. Uma
representação de que sim, mesmo com medos interiores, dúvidas e incertezas, a
marcha continua e seguir em frente não é uma opção, mas o único caminho.
King
nunca usou da violência em seus atos, e sempre ofereceu opções para que os
líderes de sua cidade, estado ou país tomassem suas decisões. Corajoso, o filme
mostra atitudes pragmáticas do ativista, como por exemplo incentivar a primeira
marcha, mesmo sabendo que aqueles que ali marchassem, seriam massacrados. King
sabia do peso da opinião pública e usou-se dela para promover suas causas. Mas
acima de tudo ele criou um legado, sua obra ficou imortalizada e seu nome
dificilmente será esquecido. Tudo de modo pacífico, lutando por causas justas e
pela igualdade. Em um mundo onde bons exemplos estão cada vez mais raros, relembrar
a luta de um grande líder é sempre motivo de celebração. Moral da história: Qual é o seu papel no mundo?
Cena memorável: A primeira marcha
de Selma a Montgomery
Sniper Americano: Princípios
A história real de Chris Kyle
(Bradley Cooper), o maior atirador de elite do exército americano, com mais 150
mortes registradas em seu nome, é contada de maneira parcial pelo diretor Clint
Eastwood. Na trama, acompanhamos as quatro viagens de Kyle ao exército, compreendemos
seu patriotismo e observamos os as consequências que as tantas execuções tem na
vida do atirador.
A
reflexão fica por conta dos princípios que movem Kyle. Os motivos que o levaram
a se alistar, a entrar ao SEAL, grupo de elite do exército, e a defender seu
país em uma guerra sem sentido. A direção de Eastwood não aborda as questões
políticas que o contexto do filme sugere, se mantendo apenas na figura de Kyle.
Uma desculpa boa para não polemizar e mesmo assim construir um filme de guerra
que sempre gera boas bilheterias.
Mas
é impossível não se dar conta de que aquele território é o Iraque e aquela
guerra, vendida como uma busca por armas químicas e nucleares foi na verdade
uma luta política, por território e pelo ouro negro daquelas terras. Às vezes
entramos em batalhas questionáveis durante a vida. O que vai levar o soldado a
torna-se um atirador de elite ou desistir do front são seus princípios. Moral da história: Muitas
vezes a causa não tem sentido ou pode levar a caminhos questionáveis. Antes de
sair atirando para qualquer lado, é importante pensar bem que guerra será
encarada e se a batalha vale a pena. Afinal o que está em jogo, assim como na
guerra real, são sua honra e dignidade.
Cena memorável: Uma conversa entre Kyle e a esposa é interrompida
por um ataque surpresa iraquiano.
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