O primeiro
filme da Pixar, Toy Story, completa 20 anos esse ano. Toy Story foi mais do que
o primeiro filme produzido em computação gráfica do cinema, a história de Woody
e Buzz Lightyear representou a entrada da Pixar no segmento de animação e uma
revolução no modo de fazer desenhos. Em vinte anos foram quinze filmes
produzidos. Nenhum deles pode ser considerado um filme ruim, e no mínimo três
deles, obras primas. E Inside Out, ou Divertida Mente no título em português, é
um deles.
A Pixar conseguiu criar um padrão tão alto de qualidade que qualquer
filme mediano produzido por eles pode ser considerado um Dreamwor..., digo, um
trabalho ruim. O estúdio reúne sete Oscars de melhor animação em nove
disputados, sendo que em duas oportunidades disputou na categoria de melhor
filme - Up! e Toy Story 3.
Divertida Mente segue a linha
dos filmes citados. É Pixar em sua melhor forma, abusando de originalidade e
criatividade. Com a direção de Pete Docter, o mesmo de Monstros S.A. e Up!, o
filme conta a história de Riley, ou melhor, da Alegria, Tristeza, Raiva,
Nojinho e Medo, as criaturinhas que vivem dentro da cabeça da garota de 11 anos
e que são responsáveis pela sua personalidade e por fazê-la quem ela é. A ideia
genial de interpretar as emoções humanas em forma de personagens é feita com
autoridade e muita competência. Docter consegue explicar psiquiatria para seu
público uma maneira absurdamente natural e intuitiva. Digo público, pois
Divertida Mente, por mais colorido e alucinante que seja, tende a acabar agradando
muito mais os adultos do que as crianças.
No entanto o roteiro consegue transitar muito bem entre os dois mundos.
Da mesma forma que as crianças vão se encantar com o entusiasmo da Alegria e as
expressões exageradas do Medo, os adultos vão perceber as gags feitas para
eles, como o trem do pensamento que mistura fatos com opiniões, ou as manchetes
dos jornais que Raiva lê, sempre pressentindo que algo ruim pode acontecer - o
que, aliás, diz muito sobre o personagem.
Mas por mais que tudo isso seja
estupendo, o filme sempre busca o algo a mais, e a opção por tirar justamente a
Alegria e a Tristeza da sala de comando a partir de um “acidente” é perfeita
tanto para estabelecer uma dinâmica infantil ao filme - a busca pela solução de
um problema -, quanto para nos deslumbrar por todos os incríveis cenários que
seremos apresentados. E por mais que o filme possua incontáveis qualidades, é
impossível não destacar o design de produção, que faria Freud, Jung e Piaget caírem
do divã. Em Divertida Mente passeamos pelas memórias base, memórias de longo
prazo, pela produção de sonhos e até pelo subconsciente. Entendemos por que
aquela música chata sempre volta a nossa memória e como vamos esquecendo
lembranças antigas. E dentre inúmeros detalhes, é incrível notar como a Terra
da Imaginação, por exemplo, é um local de constantes obras e mudanças, e
aqueles pesadelos por mais antigos que sejam - como o brócolis -, nunca caem no
esquecimento.
Mas o grande trunfo de Divertida
Mente está na discussão estabelecida quanto aos sentimentos/personagens da
Alegria e da Tristeza. É interessante notar que no início da vida de Riley, é a
Alegria quem lidera a sala de controle, enquanto a Tristeza parece “não se
encontrar” ou acaba atrapalhando o trabalho dos demais, inclusive com a Alegria
comentando que seria melhor viver sem a Tristeza – quem não concordaria?
A jornada interna que Tristeza e Alegria involuntariamente fazem, é
também a nossa jornada rumo à transição da infância para a adolescência e é justamente
nessa viagem que a Alegria percebe a importância da Tristeza. E é curioso que
quase todos nós passemos por momentos de questionamento como os de Riley no
filme. Os motivos externos podem ser variados - no caso dela, uma mudança de
cidade -, mas os internos dificilmente se modificam. Muito provavelmente, se
Alegria e Tristeza soubessem trabalhar juntas desde o início, tal incidente não
ocorreria e a Raiva não precisasse assumir o controle. Vivemos essa “briga
interna” para não deixar a tristeza assumir o controle, como se ela fosse algo
ruim. A era da exposição exagerada em que vivemos, inclusive, pune ainda mais
isso. Em tempos de redes sociais, onde somos obrigados a ser felizes e todos
possuem vidas perfeitas no Instagram e no Facebook, demonstrar tristeza passa a
ser algo ruim e até errado.
No entanto, é curioso também perceber
que mesmo sendo a Tristeza, o personagem carrega consigo outros sentimentos
como a sinceridade, o bom senso e principalmente a razão. Talvez seja por isso
que na sala de controle da mãe de Riley, quem comanda é a Tristeza, o que não
quer dizer que ela seja uma pessoa triste, mas sim mais segura de si. Observe
também que nos adultos a Alegria pouco aparece, deixando o destaque para os
outros sentimentos. Novamente, não significa que não sejam pessoas alegres, mas
que aprenderam a conviver em harmonia com seus sentimentos. Muito diferente da
cabeça de Riley, onde seus sentimentos trazem certa inocência e desconhecimento
sobre tudo o que acontece “lá fora”. A própria mesa de operações de Riley não
tem cadeiras e é controlada cada vez por um sentimento, enquanto a de seus pais
tem lugares marcados, e cada um executa conjuntamente sua função.
O filme inclusive abre lacunas
deliciosas. Como por exemplo, do quanto são importantes as “ilhas base” que
criamos durante a nossa vida. No caso de Riley, por exemplo, sua personalidade
é visivelmente trabalhada a partir das experiências que teve na ilha da Família
e na ilha do Hóquei. Mas e quanto àqueles que não tiveram essas ilhas
solidificadas ou “funcionando” como as de Riley? E como seria a mente de uma
pessoa viciada em drogas, ou o potencial de traumas infantis na personalidade,
ou até mesmo termos consciência do quanto as influências externas nos
modificam.
É notável ver que mesmo “ruins”,
os sentimentos sempre tem suas ações voltadas para o bem de Riley - mesmo que
isso a faça mal -, e no fim não existe sentimento bom ou ruim ou um líder no
comando. A Alegria nos ensinava no início que quanto mais memórias douradas - a
sua cor - melhor. No fim percebemos que a verdadeira alegria se faz da junção
dessas cores. E por mais que a alegria seja muito importante - ela carrega
consigo a esperança, a determinação, a autoestima -, uma mente sem medo, sem
nojinho (em inglês o personagem se chama Disgust, que pode ser mais bem
traduzido como Desgosto, ou algo que você não gosta), e até mesmo sem Raiva,
pode ser uma péssima ideia.
Divertida Mente também nos brinda com cenas perfeitas, como quando a
Alegria revê uma memória de Riley patinando no gelo, e de forma sincronizada,
patina junto. A expressão no rosto de Riley é de alegria pura, como se dançasse
a felicidade. Ou quando a Tristeza assume a sala de comando pela primeira vez e
notamos seus efeitos na “vida real”. Ou então quando Bing Bong, o amigo
imaginário de Riley, se desmancha dentro do “buraco do esquecimento”. E como é
duro perceber que, por pior que isso possa parecer, se desfazer das nossas
memórias infantis também é necessário para ocuparmos nossa mente com nossos
novos e supostos problemas de adulto.
É muito difícil não gostar de
Divertida Mente. Passeamos literalmente por todas as emoções durante sua
projeção. É impossível não rir, não chorar, não sofrer, não se encantar com
todos os seus detalhes. Talvez a falta de atenção aos outros personagens ou o
didatismo de algumas cenas apareçam como brechas a serem melhor elaboradas. Mas
aí lembramos que além de nós, existem crianças querendo viver Divertida Mente
também. E aí tudo se explica. Acabamos nós voltando - assim como em Toy Story -
a sermos crianças novamente.
OBS 1: Como
de costume, antes da exibição do filme somos agraciados com um curta metragem
da Pixar. Intitulado de “Lava” o curta dessa vez conta uma história de amor de
um vulcão solitário que canta aos ventos o desejo de encontrar sua alma gêmea.
Totalmente envolto por uma canção havaiana, e com o acompanhamento solitário de
um ukulele, Lava é apaixonante. Por mais que seja esquecido posteriormente pelo
peso de Divertida Mente, vale a pena pesquisar pela música na internet e ficar
cantarolando ela na cabeça por dias. Mesmo a versão dublada é boa, e perde
pouco dos versos da original, apesar de o “I Lava You”, ser substituído.
OBS 2:
Assisti ao filme dublado, e se a dublagem não acrescenta ao filme, ao menos não
prejudica. Destaques para Mia Mello como Alegria e Léo Jaime como Raiva, que
estão muito bem.
OBS 3: Eu sei que a Pixar foi muito criticada por suas continuações, mas é impossível não imaginar uma sequência para Divertida Mente em um futuro não tão longe.
Ótima crítica! Você conseguiu descrever tudo muito bem. É impossível não se apaixonar por esse filme. Eu particularmente gosto de assistir animações dubladas, e a dublagem dessa estava excelente, a Mia conseguiu viver a personagem.
ResponderExcluirObrigado Anônimo, ahaha. Quanto a dublagem, sempre prefiro os filmes originais, uma coisa ou outra sempre se perde com a tradução. Mas acredito que as animações sejam um caso a parte, o Brasil tem ótimos dubladores para desenhos. O ruim é quando colocam atores para fazer esse trabalho, muito mais para dar destaque ao filme do que pela competência do mesmo.
ExcluirMas em Divertidamente ela não comprometeu, e concordo contigo, a Mia está ótima!