Sempre que tento prever uma nova tendência de futuro me vem em mente a música Revoluções por minuto, do RPM. O motivo eu não sei, mas julgo ser pela tradução literal do seu título e os sinalizadores e ritmo frenético da abertura que misturam anime japonês e cyberpunk. E claro, não deixa de ser engraçado que para falar do futuro lembramos do passado em uma tentativa deste, de imaginar o novo.
Para o contexto do marketing, prever tendências foge do viés de “apostar”, para simplesmente olhar ao redor e entender o que está acontecendo. Diante disso, podemos dizer que o futuro já está acontecendo, falta sua concretização.

Um contexto importante
Kotler trilhou um caminho maravilhoso para o marketing, construindo os princípios que executamos hoje e atualizando e revisando incansavelmente uma área que se transforma e se desafia a cada dia.
A nova fronteira que o marketing enfrenta é o conteúdo. O que vemos é uma crescente oferta inicial de informação e conhecimento e a venda em si, ficando para um segundo momento. A regra atual é chamar a atenção e entregar valor. Vender é a consequência e não mais o motivo de uma ativação comercial.
A venda direta propriamente dita ainda existe, mas também passou por alterações em sua estrutura, principalmente quando entramos na seara de dados. Uma vez que ela só é assertiva se o consumidor está buscando ou realmente precisa do produto ou serviço. A intenção aqui é ir de encontro ao target e não mais esperar que ele venha até você.
Pois é, acabou a era de anunciar no jornal e esperar os clientes chegarem. Com os meios de comunicação se multiplicando, a atenção do consumidor não está mais centrada em um único lugar, e nós, consumidores, ficamos mais distraídos. A internet e o smartphone foram os principais propulsores disso. Realmente o mundo está nas nossas mãos, e com isso as distrações também. Tudo que está dentro daquele dispositivo é mais interessante que a propaganda de um produto.
E é dentro desse contexto que o conteúdo é imperativo. A decisão de escolha do que ver é do consumidor, uma vez que não estamos mais reféns de emissoras de TV ou estações de rádios e também do tempo, uma vez que podemos ver a programação que queremos na hora que queremos e importante: sem intervalos.
Esse cenário faz com que uma campanha de comunicação muito bem desenvolvida e construída, que levou meses até ser concebida e envolveu dezenas de pessoas e milhares de reais, seja ignorada em menos de dois segundos por uma audiência mal encaixada ou que realmente não se interessa e não quer ser interrompida.
A solução é fazer com que essa audiência deseje receber a sua mensagem, gerar interesse. E a melhor forma para isso acontecer é produzir conteúdo relevante. Isso fará a marca ganhar seguidores que vão se conectar com a mensagem e o valor que está sendo entregue para que aí então, a tão esperada venda aconteça, como consequência de uma relação real e bem construída.
Simples na teoria, difícil na prática
Para o empreendedor que está acompanhado o texto colocar em prática tudo isso, basta conhecimento do seu mercado, visão de marketing, tempo livre e estar ligado em cenários que mudam literalmente da noite para o dia. Além é claro de um mínimo conhecimento técnico sobre como funcionam as principais ferramentas e canais digitais.
Não, não é simples. Produzir conteúdo de valor exige muito esforço, tempo e estudo. E ao contrário do que muitos pseudo coaches dizem, não é “só” jogar conteúdo na internet. Precisa sim de uma atenção para o que dizer, ao canal que será disponibilizado, ao formato e ao tempo. Muitos tiram de letra todos esses detalhes, quase que na intuição, outros, talvez demorem um pouco mais. E abrindo um rápido parênteses, estar envolvido com o marketing de sua empresa não é mais uma opção de escolha, é uma necessidade. Além das atividades técnicas de uma profissão, se faz muito necessário os conceitos básicos de administração, gestão e marketing. Mesmo terceirizando alguns serviços, algumas ações precisam do envolvimento da principal liderança.
Essa certa complexidade de estar inserido em um mundo cada vez mais digital tem um agravante: é percebido que o custo das mídias digitais tende a aumentar à medida que mais marcas entram nesse mundo e a audiência também aumenta. A tendência é cada vez mais você falar com menos pessoas, a um custo maior. E não menos importante: a produção de conteúdo será cada vez mais acirrada, uma vez que os concorrentes tendem a aumentar o nível da qualidade das entregas.
Marketing autoral
Diante desse cenário, entendo que os rumos que a lógica dos influencers e dos creators possa oferecer um caminho interessante para empresas que buscam entregar conteúdo e atrair a atenção dos seus públicos: buscar aqueles que mais se conectam com o que a marca acredita e que conversam com o mesmo público.
Essa abordagem traz uma percepção importante para justificar a lógica do que chamo ser um marketing autoral: se já é percebida uma conexão do influenciador com determinada marca e os seguidores do mesmo são os mesmos que a marca deseja, não há a necessidade de orientações ou roteiros a serem seguidos pelo influenciador. O único alinhamento necessário é a intenção da parceria, as informações técnicas e as premissas norteadoras da marca. Ou seja, total liberdade de criação para o influenciador manter seu estilo e autenticidade em seu conteúdo, que agora também é da marca. Inclusive de um envolvimento dentro da empresa. O influenciador não é apenas aquele que vai “divulgar” o produto, mas que também teria a possibilidade de se envolver dentro do processo de concepção do produto ou serviço.
Para isso acontecer, exige-se uma maior preparação de ambos os lados, tanto da empresa para abrir sua comunicação sem controle, tanto para o influenciador que ganha uma responsabilidade maior sobre seu trabalho e deve fazer juz a confiança depositada. O conceito do que é um influenciador também muda, entregando mais profissionalismo e um potencial novo nicho de mercado.
A própria lógica de anunciar ou divulgar um produto muda de sentido uma vez que esse criador se envolve mais com ela. Vamos usar o exemplo de uma marca de café que vai criar uma parceria com um criador para seu produto: em uma escala micro, o influenciador pode utilizar os produtos durante a sua rotina e construir seu conteúdo prioritário com a possibilidade de inserir o café quando bem entender. Em um nível macro, o influenciador pode ser chamado para as etapas de criação de um novo sabor de café, e se envolver durante esse processo. Dependendo da sua relevância pode surgir uma co-criação e o influenciador assinar o projeto, responsabilizando-se pela construção da estratégia de comunicação do produto. Lembre-se que falamos aqui de influenciadores e empresas com valores e público semelhantes, o que gera uma sinergia próspera para os dois.
Em um último nível, entendo que não tarda a quebra das barreiras ao nível da arte e do entretenimento. A música, de certa forma, já trabalha nesse patamar com collabs para roupas e itens de vestuário. Mas ainda aguardo a marca de móveis inspirada em Wes Anderson, o kit de beleza da Lady Gaga e a coleção de óculos do Bono Vox. Perceba que aqui não estou pedindo uma simples assinatura ou utilização de imagem. Trata-se de um envolvimento integral com a criação e divulgação das peças. O produto ou serviço passa também a ser responsabilidade dos criadores.
Pessoas atraem mais a atenção de outras pessoas do que marcas. E essa conexão tende a ser cada vez mais valiosa. Recentemente vimos um exemplo disso com a criação da coleção Ricky Regal, alter ego criado pelo músico Bruno Mars em conjunto com a Lacoste. O depoimento de Mars sobre a parceria revela muito desse conceito: “Tive a sorte de ter sido convidado para fazer algumas collabs no passado, mas todas eram repletas de diretrizes. A Lacoste foi a primeira e única empresa que me disse ‘Bruno, você pode fazer o que você quiser’. O respeito por essa liberdade criativa vinda de uma marca tão tradicional foi uma honra”.
Mais do que uma collab, a liberdade e autonomia que Mars recebeu para a sua criação levam o projeto a um outro nível de conexão com o público, onde a marca abre mão de qualquer envolvimento, para manter a genuinidade e verdade do seu criador.
O marketing cada vez mais caminha para ser natural e orgânico e fugir de uma imagem de comercial e de propaganda. Conectamos isso a lógica atual onde tanto influenciadores quanto pessoas reais já entregam um enorme engajamento com suas audiências e temos um encaixe de demanda e oferta que tende a deixar de ser tendência e virar mainstream logo logo. Eis o marketing autoral criando vida.
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