Pular para o conteúdo principal

Shakespeare e oito exemplos de como não se comportar como líder


São os momentos de crise que exigem o máximo das lideranças. E são estes mesmos momentos que transparecem as maiores fraquezas daqueles que estão a frente do poder. O atual presidente do Brasil mostra para todos o que não fazer em situações como esta. 

A intenção aqui não é criar juízo de valor ou fazer uma análise política do que o presidente tem feito nos últimos anos. É um simples olhar sobre a ótica empresarial das ações que o principal governante do país vem executando desde que a crise do novo coronavirus foi implantada.
É uma leitura de contexto simples e de pontos óbvios que qualquer empresa com o mínimo conhecimento de gestão já executa. Por fim, a questão não é acusar ou atacar o presidente, mas mostrar como suas atitudes não vem em nada cooperando com seu próprio governo e tomar de exemplo para que tais ações não se repitam.



1. Entenda o contexto onde a sua empresa está inserida

Uma das principais falhas do principal chefe de estado do país foi negar a gravidade do problema inúmeras vezes. Um líder deve cercar-se ao máximo de informações precisas sobre o mercado e, principalmente, sobre as mudanças de cenário e de contexto, estas, cada vez mais frequentes. A situação do Covid19 estava sendo monitorada por todo o mundo desde seu surgimento e os alertas de um possível impacto do país estavam no radar do governo desde janeiro, como o próprio ministro da saúde anunciou. Mesmo assim o presidente optou por ignorar os fatos até dias atrás.
O caso não deixa de ter similaridade aos princípios da miopia do marketing, onde empresas ignoram as mudanças de contexto por acharem que estes não impactariam em seus negócios, e quando percebem, já é tarde demais. Este mesmo princípio os impede de agirem rápido, ficando preciso ao atual cenário e subestimando as influências externas.


2. Mude rápido

Uma vez percebido uma mudança de cenário, é hora de agir rapidamente e em conjunto. Reunir o time, esclarecer a situação e tomar as primeiras medidas paliativas. Nada disso aconteceu. Mesmo com o cenário da pandemia já instalado dentro do país, o governo viu governadores e até prefeitos tomando as primeiras atitudes de contenção do vírus antes. O negacionismo persistiu e se mostrou claro tanto em falas do presidente quanto em atitudes. A mais clara talvez seja a do ministério da economia, que apesar de já ter anunciado sanções, ainda não efetivou nenhuma de suas propostas. O tempo nesses casos se torna o principal inimigo.


3. Tenha uma estratégia clara

Medidas de emergência em situações de crise interrompem estratégias e planos construídos há meses ou anos. O que não tira de forma alguma, a necessidade de uma nova estratégia para o período de contenção. E, apesar de vermos um caminho claro e coeso nas ações tomadas pelo ministério da saúde, o mesmo não se pode dizer dos demais. O papel do líder aqui é unir todos os times dentro da mesma causa. Porém, o que fez unir os ministérios foram as circunstâncias, e não uma voz interna. Voltamos aos exemplos dos governadores, que conseguiram mobilizar suas principais secretarias para um combate conciso, direto e rápido.


4. Jogue junto com o time

Uma vez com a nova estratégia tomada e aprovada, coopere e faça de tudo para o time cumprir com o estabelecido. É papel do líder abrir portas, limpar os caminhos e acompanhar a equipe. O presidente conseguiu fazer o oposto. Em praticamente todas as suas falas ignorou a estratégia do seu próprio governo e inacreditavelmente se opôs. Veio a público defender ações contrárias as executadas pelo seu time e provocou ainda mais confusão. Ministros e secretários gastavam mais tempo explicando as ações do presidente, do que trabalhando, de fato, na causa.


5. Não atrapalhe o time

Talvez o ápice tenha sido o pronunciamento, em cadeia nacional, do dia 24 de março. Além de não anunciar nenhuma medida, ação ou nova atitude do governo, divulgou informações falsas e deixou claro a todos que discorda da estratégia tomada pelo governo. O presidente ainda incentivou que a população tomasse atitudes contrárias com as quais seu tome defende. Uma ação como essa, em um ambiente empresarial é impensável. Conflito de ideias e discussões devem sim existirem e são saudáveis. Mas nunca que estas atitudes divergentes, e principalmente opostas, a que a empresa executa fiquem externadas a vista da sociedade.



6. Comunique sempre, e de forma clara

E principalmente durante crises. É o momento em que as pessoas mais buscam por informações e que a empresa precisa estar atuante, rápida e clara em suas atitudes. Exemplo clássico foi o realizado pela Gol em 2006, durante o acidente onde seu Boieng colidiu com outro avião em plena floresta Amazônica. Horas depois o então presidente da companhia já dava coletiva de imprensa assumindo a responsabilidade, deixando claro as prioridades da companhia e oferecendo total amparo e assistência aos familiares das possíveis vítimas. Foi assim até o final de toda a operação de busca por sobreviventes.
Nesse ponto, as coletivas de imprensa do ministério da saúde vem sendo exemplares. Sempre claras e completas. O que não se pode dizer o mesmo de qualquer fala do presidente, que vem causando cada vez mais dualidade e debates vazios pelo país. Exatamente o que não é necessário para momentos como esse.


7. Haja com respeito e atenção com os stakeholders

Em verdade, respeito espera-se para com todos em qualquer situação. Estão questão só se revela ainda mais importante em situações de crise, onde os ânimos ficam aflorados. Em um mês o presidente conseguiu desavenças com governadores, prefeitos, chefes de estado de outros países, órgãos internacionais, empresários, seus próprios ministros, imprensa e toda a comunidade médica do país. Todas as intrigas poderiam ter sido evitadas e até mesmo nem existido com o mínimo de bom senso e uma comunicação polida do presidente. Todos os seus discursos possuem tom ofensivos e de ataques, isto só acentua o momento de tensão e insegurança que qualquer crise pode gerar.


8. Não critique seu time externamente

O papel do líder é acompanhar e garantir que seu time performe conforme o esperado e de acordo as ações estabelecidas. Sempre irão ocorrer situações e momentos de ajustes durante este período, que vem ser corrigidos e orientados de maneira particular ou junto a equipe. O presidente não só fez duras críticas a membros do governo para a imprensa, como também atacou abertamente seu ministro da saúde, aquele que, até onde se percebia, vinha fazendo um bom trabalho e desde o início dos trabalhos é quem mais está sob pressão e estresse. O líder tem todo direito de ser contrário às decisões da equipe. Porém situações como essa levam a dois caminhos: ou confiar na decisão coletiva e apoiá-la, ou questioná-la internamente e solicitar ajustes. Externar essa situação e criticá-la abertamente é, novamente, algo impensável dentro de qualquer empresa e só demonstra o despreparo e ignorância daquele que a faz.


Shakespeare

Reza a lenda que, enquanto se preparava para a batalha de Azincourt, durante a Guerra dos 100 Anos, Henrique V, então Rei da Inglaterra, conseguiu, por meio de seu discurso, motivar seus homens a encarar um exército francês cinco vezes maior que o seu. Esta provável fala foi adaptada por Sheakespeare e tornou-se o famoso discurso de São Crispim.
Independente da veracidade ou não do fato, a questão aqui é a importância e a necessidade de grandes líderes em momentos cruciais da história. Seja para unir, mobilizar ou encorajar sua equipe, seu time, sua tropa, seu exército, seu país. Sem liderança não há união, não há cooperação, não há confiança. E momentos de crise dificilmente são superados sem essas três palavras.


Ah, o exército de Henrique V venceu a batalha.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O amor é a flor da pele e eterno!

“Antigamente, se alguém tivesse um segredo que não quisesse partilhar, subiam uma montanha, procuravam uma árvore, abriam um buraco nela e sussurravam o segredo para dentro do buraco. Por fim, cobriam-o de lama e lá deixavam o segredo para sempre” A frase acima é dita por Chow Mo-Wang a seu amigo Ping, no filme Amor à Flor da Pele (2000), do diretor chinês Wong Kar-Wai, em uma das histórias de amor mais bem contadas do cinema, segundo muitos críticos. Kar-Wai consegue em seu filme dedicar ao amor a tradução que talvez mais o represente: a eternidade, ou o popularmente, até que a morte nos separe. Na história, conhecemos sr. Chow e a srta. Li-zhen Chan, os dois se mudam para Hong Kong da década de 60 com seus respectivos cônjuges no mesmo dia, onde ocupam quartos vizinhos de um mesmo edifício. Em comum, além do lugar onde vivem, os dois tem a ausência total dos parceiros, e posteriormente uma descoberta: seus cônjuges estão tendo um caso entre si. A descoberta aproxi

Volver

Falar de Almodóvar nunca é fácil. Uma das características do cineasta espanhol é seu atrevimento e coragem em propor nas telas seus conceitos e ideias. E é de atrevimento e coragem que se faz esse texto, ao tentar transpor em palavras um pouco de um dos filmes que mais aprecio em sua filmografia: Volver. Volver conta a história de Raimunda (Penélope Cruz), mulher casada e com uma filha de 14 anos, que ainda tenta superar a morte de sua mãe, enquanto cuida da tia. A personagem de Cruz, inclusive, é quem carrega o filme por completo e dá alma à trama. Cada cena da atriz renova o filme, que composto por um excelente roteiro, nunca deixa a história se esvair ou perder força. Não à toa, em muitas vezes vemos Penélope enquadrada ao centro da tela, tomando para si toda a sustentação do longa. Traduzindo essa percepção para a personagem Raimunda, é assim que ela também encara a sua vida. Uma vez que, mesmo com um casamento complicado, dificuldades financeiras crescentes e um passado

Sobre jornalismo, marketing e uma das maiores tragédias do país

Eu não entendo de prevenção de desastres, gestão de crises e ações do governo, mas entendo de jornalismo e marketing. E sobre esses dois pontos, a história tende a julgar o que aconteceu esta semana no país.  Jornalismo: Não é a maior tragédia do estado, é uma das maiores tragédias do país, e as demais regiões do Brasil demoraram ou ainda não estão entendendo o tamanho dessa escala. E parte dessa culpa recai sobre a mídia. A nível nacional não houve plantão, a programação seguiu sua transmissão normal e pouca, muito pouca prestação de serviços. O fato foi comunicado apenas de maneira jornalística. Em tragédias, o jornalismo deixa de ser veículo de comunicação e passa a ser serviço público. Para não ficarmos apenas pensando em TV e rádio: eu assino uma newsletter diária de notícias que chega para milhões de pessoas em todo o país. No dia 2 de maio, a newsletter utilizou três linhas para comunicar sobre o Rio Grande do Sul. Três linhas. O jornalismo não é mais mecânico, e os termos, as