Tem um debate longo e antigo no marketing sobre o quanto as marcas se adaptam às mudanças da sociedade, ou o quanto são elas próprias que ditam essas mudanças. E claro que assim como todo o debate sadio, ambos os lados têm sua verdade.
De um lado temos exemplos como a Microsoft, que mudou o curso da vida humana com a popularização do computador pessoal, e a Volvo, que fiel a seu propósito de segurança salvou incontáveis vidas criando carros seguros e reduzindo o número de acidentes (foram eles que inventaram o cinto de segurança, por exemplo).
Do outro lado temos Dove e a já clássica campanha Real Beleza que elevou o já então arrastado debate sobre padrões de beleza para o mainstream e cascateou outras marcas a também fazerem o mesmo. E a Nike, que ouvindo o grito das ruas de que vidas negras importam, se posicionou fortemente em favor do movimento ao ponto de ter seus produtos queimados na rua por opositores (a constar, isto foi há alguns anos e não no século passado).
Em seu livro O Ponto da Virada, Malcolm Gladwell comenta que para que uma mudança ocorra dentro da sociedade ela precisa passar por um agente transformador que impulsione e inspire um novo olhar sobre o fato. Em muitos casos, o agente transformador em questão é uma marca.
Dove não criou a primeira campanha com diversidade de corpos, mas talvez tenha sido ela o ponto da virada para uma conscientização mais generalizada sobre o tema. Tanto é que hoje dificilmente veremos uma grande marca se posicionando apenas como pessoas brancas e magras. Infelizmente ainda tem muita gente que analisa esse movimento como “lacração”, eu simplesmente denomino de empatia e bom senso.
O mais recente capítulo desse debate é a nova campanha da Disney “Vozes da Diversidade”, produzida e recém lançada no Brasil e que complementa as comemorações de 100 anos da empresa. A campanha mistura um bom posicionamento de marca com muito marketing 3.0, ao trazer histórias reais de pessoas que se identificam com seus personagens e como estes contribuíram para sua formação como pessoa e inclusão na sociedade.
A campanha até passaria despercebida se não fosse justamente a Disney quem está por trás. Aquela empresa que durante décadas ditou, por meio de seus filmes e histórias, padrões de comportamento que, com o passar do tempo, já deixaram de fazer sentido. Agora, em um novo momento da sua trajetória, ela mostra como seus novos personagens inspiram as novas gerações.
“A Disney está em um momento em que o assunto diversidade cada vez mais vai estar posicionado no centro da nossa estratégia, e isso será refletido nas nossas iniciativas, conteúdos, experiências e ações de marketing”.
Rita Oliveira, head de DE&I da The Walt Disney Company Brasil.
O movimento não é novo, os parques Disney já possuem acessibilidade para deficientes, os atores conseguem se comunicar por linguagem de sinais e seus filmes vem quebrando estereótipos, como Valente, Detona Ralph 2, Eternos, Frozen, A Pequena Sereia e Encanto. Este último, é o responsável pelo vídeo abaixo. A Manu viralizou nas redes sociais por assistir Encanto e se ver na personagem Mirabel em um vídeo que transborda emoção.
O movimento da Disney de pegar este consumidor, inseri-lo dentro de uma peça publicitária e devolver para o público é uma confirmação de um caminho traçado e dos objetivos que busca alcançar com ele.
Como se vê, tudo está entrelaçado. Acredito muito no poder das marcas em transformar a sociedade, e no poder das pessoas, cada vez mais potencializado com a internet, de validar ou reprovar estes movimentos.
Às vezes (e a depender da forma como a marca quer) essa mudança é sutil e passa quase despercebida, e outras vezes choca e causa um inicial incômodo. A campanha da Nike com Colin Kaepernick que comentei aqui é um exemplo disso. Já a Coca-Cola, vem preparando sua revolução nos bastidores. Todos alinhados com a personalidade de sua marca.
Aliás, aqui vale uma provocação: dado o cenário de um mundo sem refrigerantes, ouso dizer que lançar o produto Coca-Cola hoje seria um gigantesco erro, ao ponto de que ele nem seria validado como uma hipótese. O sucesso de Coca-Cola se deu em um tempo onde a preocupação com saúde era outra e a voz do consumidor e até de especialistas para criticar o que era lançado era praticamente nula (sobre esse assunto vale muito ouvir esse episódio do podcast Rádio Escafandro, sobre como GM e Dupont quase acabaram com o mundo).
Hoje Coca-Cola ainda é uma enorme marca e mantém suas vendas por fazer parte cultural da vida das pessoas. Méritos para seu fabuloso marketing. Mas é um produto que tem data de validade para acabar. Por isso, o portfólio da empresa vem se estendendo para mais de 200 marcas e seu posicionamento não é mais para refrigerantes, mas bebidas em geral incluindo água, sucos, cafés, isotônicos, leite vegetal e chás.
Resumo da história: marcas (e a sociedade) precisam se adaptar. Como Darwin já dizia, é uma questão de sobrevivência. Assumir fazer essa adaptação, que caminho seguir, ser fiel a ele e principalmente como fazer é assunto para outro texto e muito provavelmente, novos debates. E é ótimo que eles aconteçam, sinal de que ao menos, nos questionamos e consequentemente, seguimos evoluímos.
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