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Sobre a importante da informação densa na era do conteúdo raso

 

É comum ver aqui no LinkedIn muitos posts de gráficos e dados isolados que são retirados de pesquisas e estudos de mercado. Compartilhar informação é sempre relevante, mas a depender da forma como esses dados são disponibilizados, acabam causando mais ruído que aprendizado. 



Por exemplo, esses dados da Consumoteca que vi esta semana, quando foram divulgados pelo ótimo Hugo Rodrigues, chairman da WMcCann, que mais instigam do que esclarecem. Eles confirmam o quanto entender o contexto e a forma como a pergunta foi realizada influenciam no resultado e, principalmente, que olhar esse dado de forma isolada é errado e leva a decisões equivocadas.


Trago esse recorte porque a pergunta é excelente e fala de algo que toda empresa que atua com esse público deseja saber. Porém também é ambígua e só permite um olhar profundo entendendo o contexto. 


Antes de entender que os entrevistados preferem bons produtos, é importante compreender o que significa bons produtos para eles.


Preocupado com isso, fui atrás do estudo completo (que é muito bom, diga-se de passagem) e para a minha não tão grande surpresa, praticamente todas as respostas mudaram de sentido após concluir a leitura do mesmo. Inclusive convido para o exercício de analisar o post de forma isolada e retornar a ele após a leitura das 54 páginas do relatório que está disponível no site da Consumoteca.


Por exemplo, o desejo de bons produtos, citado por 82% dos entrevistados (quem não deseja bons produtos?!), está ligado a uma lógica de consumismo (e não tanto de necessidade), produto com baixo valor agregado e a muita influência do TikTok no processo de compra. Talvez essas informações não sirvam para a sua empresa, mas servem para a Shein, que compreendeu este cenário há um bom tempo e é um dos apps e e-commerces que mais cresce no país.


Ou seja, antes de entender que os entrevistados preferem bons produtos, é importante compreender o que significa bons produtos para eles, e isto está descrito no estudo.


Disclaimers importantes: a pesquisa e as respostas claramente focam em itens de consumo básicos: alimentação, vestuário, cosméticos e itens de baixo valor. Dentro desse escopo os resultados tendem a ter um fit maior. Fora disso, precisa ser melhor avaliado. E é por aí que vai o risco da desinformação e da interpretação equivocada de dados. Fora de contexto, tudo é subjetivo e incerto. 


Voltando a pergunta do post em questão. A forma como ela foi elaborada também gera impacto na resposta. As opções foram estimuladas ou de livre escolha? Eu poderia escolher mais de uma resposta ou a intenção era definir um critério do mais importante para o menos? Foi feita por e-mail, whatsapp, telefone ou presencial?


São perguntas que, por mais que soem “chatas”, são essenciais para uma compreensão de cenário e tomadas de decisão. Motivo pelo qual esses estudos são feitos. E um grande ponto de atenção para a era da informação rápida e curta em que vivemos. Ela é ótima para várias situações, mas não para todas.


E claro, isto vale para qualquer dado isolado visto na internet. É muito recomendado ler o estudo completo ou no mínimo seu contexto e metodologia antes de qualquer análise. 




Para finalizar, não posso deixar passar um dado curioso que tirei do relatório: 51% dos entrevistados afirmam não reparar nas marcas na hora da compra. 


Para quem vive da construção de marcas e na busca por conexões com o consumidor, é algo que exige um grande aprofundamento. Tirando os dados e olhando agora para o meu feeling, creio que essa resposta não pode ser vista como definitiva. Na própria pesquisa, um dos principais pilares de construção do perfil desta geração é a preocupação com sua própria identidade e reputação. E boas marcas desempenham um papel histórico nesse viés.


Talvez uma das respostas a se tirar disso tudo é que o poder de uma marca, considerando unicamente o ato isolado da compra, diminuiu a sua relevância. Mas marca como um ecossistema de pertencimento, expressão, estilo, experiência e auto expressão aumentam ainda mais sua importância. E isso faz todo sentido, afinal, a compra não começa e nem termina no botão de comprar.


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