O “novo marketing” que estamos conhecendo já há alguns anos vem trazendo desafios inéditos aos profissionais do setor. E cada vez mais questionando as teorias daqueles que o conceituaram
Sobre a publicidade:
Há alguns meses uma entrevista do genial publicitário brasileiro Washington Olivetto à Época Negócios, ganhou destaque na imprensa por suas críticas ao uso excessivo de dados na propaganda em detrimento da criatividade. Olivetto argumenta que a publicidade atual está chata. Em uma segunda fala, ele diminui a importância dos influenciadores e dos creators atuais, apontando que são uma evolução dos “garotos-propaganda” do passado e não representam nada de novo. Nas falas dele: “Você pode ter até alguns personagens interessantes, mas são uma absoluta minoria, e estes vão desaparecer rapidamente”.
Apesar de respeitar absurdamente toda a trajetória do publicitário, não há como eu discordar mais dele nesses dois dois pontos. Dados, marketing de influência e tecnologia é o que há de mais relevante e mais necessário de ser observado hoje por profissionais, tanto de marketing quanto de publicidade ao ponto de transformar o mercado publicitário como um todo. Diminuir ou minimizar esses dois fatores é no mínimo preocupante, e evidencia uma miopia de grande parte das agências de publicidade diante das mudanças agressivas que o mercado vem provocando.
Agora, repare nessa outra citação de Olivetto: “A maior parte dos publicitários não está dizendo aos clientes aquilo que eles precisariam ouvir; está dizendo aquilo que eles imaginam que os clientes querem que eles digam.”
Ela é muito real e revela exatamente essa miopia que citei há pouco. Porém a solução apontada não condiz com o problema. Primeiro, os clientes não querem ouvir nada, não querem ser interrompidos e não gostam de propaganda. A forma interruptiva que a propaganda é feita hoje é que precisa ser revista, e hoje quem melhor faz essa abordagem são justamente os influenciadores e creators. E segundo, os publicitários estão dizendo o que os clientes querem ouvir justamente por não terem uma sustentação em dados. Os dados são a base para a criatividade, e criatividade sem dados é dinheiro jogado fora. Assim como dados sem criatividade não te diferencia e diminui sua visibilidade.
É inegável o quanto Olivetto contribuiu para a publicidade brasileira e a elevou de patamar, talvez sendo o principal responsável pela característica criativa do nosso país e tendo seus comerciais e campanhas imortalizados. Hoje a gente vive uma nova publicidade, talvez o vídeo publicitário mais repercutido do ano tem trinta segundos e foi feito com um jogo de palavras criado por uma influenciadora bebê e Fernanda Montenegro. Criatividade? Muita. Mas também feeling para trazer a pequena Alice para um comercial de TV sem mudar em nada a lógica dos vídeos que a tornaram famosa organicamente. E claro, dados, testes e várias validações para encontrar o ponto perfeito da emoção. Propaganda pura, mas super conectada com a realidade atual.
Sobre o Marketing:
Recentemente li um ótimo artigo em que Bruno Mello, fundador do portal Mundo do Marketing, faz uma provocação ousada mas muito pertinente com o título: “Kotler ou Igão? Com quem você tem aprendido Marketing?”. E assim como mexer com Olivetto gera revoltas em publicitários, questionar Philip Kotler é questionar algo sacro dentro do marketing. Mas perceba que a pergunta do título já traz uma resposta pronta ao utilizar o verbo no pretérito perfeito. Eu aprendi e me apaixonei por marketing com Kotler, mas eu tenho aprendido marketing com Igor Lima Rodrigues e vários outros desconhecidos do grande público. E essa simples separação resolve grande parte da suposta polêmica, mas também apresenta uma percepção que já é comum para quem trabalha no setor: a veloz mudança ao qual ele vem passando e os novos conceitos criados.
Para quem não conhece, Igor Lima Rodrigues tem 22 anos e é diretor de tráfego pago no grupo Primo Rico, um dos, senão o principal conglomerado de marketing digital do Brasil hoje. Kotler tem hoje 90 anos e criou os principais pilares de marketing que usamos até hoje. Mais do que isso, se reinventou sempre, atualizando teorias, inserindo novas percepções a cada mudança da sociedade. Seu livro Marketing 3.0, de 2010, escrito em parceria com Hermawan Kartajaya e Iwan Setiawan traz um das principais atualizações para o conceito de marketing para empresa, e de certa forma novamente norteia o que ainda vemos hoje. E sua produção não para. O livro Marketing 5.0, lançado este ano, insere o marketing dentro de um mundo pós-digital.
Mesmo em meio ao caos, planejamento é essencial. É preferível estar no meio de uma tempestade dentro de um barco do que à deriva.
O legado de Kotler é imenso e ainda não há como considerá-lo ultrapassado. Desde seus primeiros livros, o autor norte-americano sempre se preocupou em encontrar coesão entre as estratégias de marketing, a estratégia de negócio da empresa e os rumos da sociedade. O olhar dele sempre foi de assimilar todas as possíveis etapas de contato do consumidor e construir uma identidade clara e que aproveite todas as oportunidades geradas.
O marketing proposto pela nova geração é mais combativo, direto e visando resultados imediatos. As famosas fórmulas de lançamento prometem te entregar centenas de milhares de reais em uma semana, o algoritmo do Google e das redes sociais é estudado minuciosamente para ser aproveitado ao máximo, e-commerce, growth, infoprodutos, conteúdo, lives, e-mail marketing, audiências digitais, podcasts… tudo perfeitamente mapeado e metrificado.
Kotler raramente mergulhou a fundo nos detalhes de execução do marketing, sempre manteve seu olhar para o horizonte, não dizendo o que fazer, mas apontando caminhos. A nova geração olha o agora, o que está gerando conversão hoje e a próxima trend. O plano é aproveitar ao máximo o que gera resultado hoje, pois o amanhã é incerto e ainda é necessário ser descoberto.
Agora, você já pensou em unir essas duas habilidades? Os dois olhares são extremamente necessários e importantes. Sinto muita falta de uma visão mais perene para as marcas digitais. A busca pelo ROI perfeito às vezes deixa de lado a consolidação e percepção da marca. Ao mesmo tempo que simplesmente ficar preso a teoria e não agir é uma sentença de morte em um mundo onde a velocidade fala mais alto que a qualidade.
Em meio a tudo isso, algumas verdades precisam ser ditas. A primeira é que o caos é rei e impera o mundo do marketing. Não tem receita de bolo e playbooks tem validade curta. A segunda é que mesmo em meio ao caos, planejamento é essencial. É preferível estar no meio de uma tempestade dentro de um barco do que à deriva. O planejamento permite uma melhor gestão da incerteza. Terceiro, não abrir mão dos princípios e de seu propósito. Isso inclui, por vezes, abrir mão de receita, desistir de oportunidades, se posicionar e fazer escolhas. E por fim, cercar-se de pessoas talentosas e competentes. Talvez o recurso mais escasso do mercado atual e futuro.
O veredito é claro: sim, estamos aprendendo muito mais com Igão, mas Kotler ainda é essencial, até porque, para muitas empresas, o marketing não tem o seu devido valor e é construído de forma empírica e no feeling do empresário. Dá certo? Até dá, mas já imaginou encarar a tempestade dentro de um barco mais reforçado?
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