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Qual será o futuro das instituições financeiras?

Os grandes bancos brasileiros, que mal conseguiram entender o fenômeno das fintechs, seguem atrasados diante do futuro de um setor que segue em ebulição.


Talvez você não se recorde, mas há oito anos o sistema financeiro brasileiro era um mar de tranquilidade. Controlado confortavelmente por cinco empresas, sendo duas estatais e três privadas, os “bancões” como hoje são apelidados, eram (e ainda são) os donos das maiores verbas de publicidade e das marcas mais conhecidas e valiosas do país. Naquele tempo era comum pagar taxas de manutenção de conta e anuidade de cartão de crédito com juros acima de 200% no cartão. Para abrir uma conta era necessário ir até uma agência física e aguardar em filas até ser chamado. O mesmo processo acontecia quando havia a necessidade de algum atendimento especial, tirar dúvidas ou resolver problemas.


Esse cenário começou a se transformar em 2013, com o início da penetração das fintechs, principalmente de contas digitais do país. Na época, parecia impossível disputar espaço com concorrentes tão grandes, tanto que em um primeiro momento as contas digitais foram vistas com pouca atenção.

Mas não demorou para a situação se inverter. Hoje, quem corre atrás nessa disputa são os bancos, que apesar de ainda contarem com praticamente a mesma participação de mercado, precisaram se adaptar para seguirem relevantes diante de tantas transformações. Mas esta corrida está longe de acabar.


Fintechs 2.0

Se em um primeiro momento a intenção das fintechs estava em ganhar penetração com uma oferta digital, gratuita e um bom atendimento, hoje os rumos já são outros, uma vez que o mercado fica cada vez mais competitivo (já são mais de seiscentas fintechs no Brasil) e o consumidor mais exigente. A base já foi formada e as contas digitais já se colocam como uma opção de escolha do consumidor na hora de abrir uma conta. Com isso, algumas estratégias de mercado vêm sendo construídas, tanto para fidelizar um público cada vez maior, quanto para escalar o negócio. Atualmente, a principal delas é rumar para a ideia de super app, onde pode ser feito praticamente tudo dentro do aplicativo, desde o acesso a todo um portfólio de serviços financeiros, como investimentos, seguros, consórcios e outros, até um e-commerce conectado com as principais lojas do mercado e serviços como delivery.

Nesta segunda fase já pode ser vista uma clara movimentação (ainda que muito recente) dos bancos para ganhar o espaço e manter sua presença. Tratando-se apenas de contas digitais, o Bradesco vem investindo alto na Next, o Itaú criou a Iti e mais timidamente, o Santander conta com a Superdigital. É muito pouco comparado ao potencial de investimento desses players, o que me leva realmente a questionar se essa é uma briga a ser comprada ou se a mudança de rumos traça outros planos, ainda não expostos.





De um lado temos instituições centenárias que possuem enorme relação com seus públicos mais fidelizados e forte poder de influência nas principais empresas do país. É uma situação muito confortável onde eles podem escolher seus clientes e destinar atenção a quem entrega mais retorno à instituição. Não se pode esquecer que o principal produto segue sendo o crédito e os rendimentos sob o dinheiro retido e este mercado, por enquanto, não vem sendo afetado.

Do outro lado, temos a tão citada revolução financeira, onde não estamos nem perto do ápice e que a concorrência ultrapassa os limites do próprio setor, talvez até fazendo este deixar de existir. E o motivo é simples: com a exceção do crédito, o banco sempre foi um intermediário na relação com o dinheiro. Era onde você pagava um aluguel para guardar seu dinheiro e utilizava de meios de pagamento do próprio banco para pagar a terceiros. Com os super apps e a chegada do open finance e das carteiras digitais, qualquer empresa hoje pode se tornar uma fintech, e a concorrência, que antes era disputada entre cinco grandes marcas, agora combate com Vivo, Pagbank, Americanas, Picpay, Ifood, Magalu, Amazon, Facebook, Google, Samsung e Apple. 

Se considerarmos todo o universo do blockchain e dos cripto ativos, que também se movimenta para uma descentralização financeira mundial, e que ataca o core dos bancos por meio dos conceitos de DeFi e DEX, a transformação é ainda maior, mas este é um assunto para outro texto.



Fintechs 3.0 e os Super Apps

Mas como disse anteriormente, esse movimento está longe do seu ápice, e olhando de longe, me parece uma atitude extremamente cautelosa ficar tão de fora de uma disputa por espaço, como os bancões parecem hoje fazer.

A tática por trás das novas fintechs passa hoje por um aumento da sua capilaridade e fidelização de seu público. Quanto mais público cadastrado e, principalmente, fidelizado a sua plataforma, menor o custo de aquisição e maior a possibilidade de compra. Jeff Bezos concebeu a Amazon sob a lógica de tornar seu e-commerce tão atrativo, que não haveria a necessidade de sair de lá, e vem alcançando esse objetivo porque ele é muito vantajoso também para o consumidor.

 Porém o que trouxe a Amazon para o que ela é hoje, não vai mantê-la daqui para frente. A empresa sabe muito bem disso, e já direciona sua atenção para o entretenimento e a marca Prime, como fator fidelizador do seu público. Por meio do Prime Video e Prime Music os benefícios de fazer parte do ecossistema Amazon mais do que se justificam, e fidelizam um público novo e propenso a compra, além de gerar receita extra e recorrente por meio das assinaturas.





A estratégia da Amazon parece ter inspirado algumas empresas nacionais. Cito mais claramente o Banco Inter e a Magalu, que tem explícita a intenção de transformar seus super apps em um local onde se encontra tudo. E toda essa movimentação de empresas fora do mercado financeiro captando um público que deveria ser deles, revela um dos pontos cruciais de toda essa história: os bancos não são mais relevantes para o consumidor final, ou não justificam a manutenção de uma relação próxima com eles. Fará muito mais sentido manter os investimentos junto a uma empresa onde consumo frequentemente e tenho uma relação de compra ativa (com garantias de rentabilidade e segurança), do que um local onde mantenho meus valores “parados”. A era dos intermediários parece estar no fim.


Fincares?

O que falta para os bancos é um olhar mais próximo para as necessidades dos seus clientes e um pouco de ousadia para reinventar. Recentemente um grande banco fez uma campanha nacional de comunicação com os personagens do desenho animados Os Jetsons, com a chamada de que “o futuro já chegou”! O problema é que a visão de futuro foi voltada ao hardware, deixando de lado algumas importantes tendências que vem se aproximando.




Pegue por exemplo o que deveria ser o cerne de uma instituição financeira, o dinheiro, e cite um app preocupado genuinamente em entregar soluções de educação financeira ao seu usuário. O quanto uma marca que cuida de trilhões de reais em ativos teria credibilidade para oferecer cursos e aulas de finanças para sua base de clientes aprender a cuidar melhor do dinheiro. O quanto a marca está próxima de seus clientes para apoiá-los nas decisões de futuro para uma base que majoritariamente é endividada e sofre com a falta de renda.

É claro que ações como estas são realizadas pelas instituições, mas com um viés de responsabilidade social do que marketing. O que inclusive revela um pensamento de marketing já antigo e submisso às decisões de negócios. 


A questão é: entre uma disputa entre super apps e apps de finanças, os bancões parecem não buscar nenhuma das duas soluções.

 

Tem uma nova fintech chegando no Brasil para justamente fazer este contraponto. É a N26, que se autodenomina uma fincare, ou seja, uma instituição financeira que estaria genuinamente preocupada com seus clientes e não com o dinheiro dos clientes. A N26 inclusive faz um contraponto a lógica de super apps. Nas palavras de Eduardo Prota, general mananger da N26: “eles precisam buscar serviços fora do escopo financeiro para conseguir se rentabilizar… isso é uma evidência de que o mercado financeiro perdeu a criatividade de como atender os clientes”.

Apesar de não concordar completamente com ele, não deixa de ser um caminho fantástico a ser seguido, que hoje pode parecer utópico, mas que talvez esteja esperando a primeira grande empresa a olhá-lo com prioridade. A questão é: entre uma disputa entre super apps e apps de finanças, os bancões parecem não buscar nenhuma das duas soluções.

O mercado está cada vez mais atento ao consumidor e aos conceitos de experiência do usuário. Fazer conexões, estar atento às tendências e principalmente, ter um olhar genuíno ao usuário são caminhos extremamente empolgantes para as instituições financeiras atuais. Caso contrário, o futuro dos Jetsons pode até acontecer, mas sem nenhuma garantia de que aquela marca ainda estará presente dentro naquele mundo.



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