O Filme:
Após os acontecimentos do primeiro filme, Adonis Creed (Michael B. Jordan) é desafiado por Viktor Drago (Florian Munteanu) a uma luta. O oponente é filho de Ivan Drago (Dolph Lundgren), o mesmo que matou seu pai, Apollo Creed no ringue. Creed I e II são sequência da série Rocky, idealizada, dirigida, produzida e roteirizada por Silvester Stallone em 1976.
Avaliação:
Por mais que se sustente como filme isolado, é quase uma heresia assistir a Creed e não ver os filmes da série Rocky (pelo menos os quatro primeiros), e obviamente o primeiro Creed, de 2015. Neste longa encontramos um grande amadurecimento do protagonista, tanto na história em si, quanto em sua presença de cena.
Se no primeiro filme Adonis divide o filme com Rocky (Stallone), aqui ele apodera-se de todo o filme. Isso nos é introduzido logo em suas primeiras cenas, aonde vemos Creed se preparando para uma luta ao centro da tela, enquanto Rocky surge ao canto e refletido pelo espelho. Em uma tomada 360º do local, o diretor Steven Caple Jr., literalmente nos mostra que o filme gira em torna de Creed.
Inclusive a direção de Caple foi relativamente criticada neste filme ao ser comparada ao ótimo trabalho de Ryan Coogler no primeiro Creed. Eu discordo. Caple absorveu o sentido do filme e construir sua evolução com base no que o teor da trama dizia. Se no primeiro filme tivemos excelente cenas de lutas e de ação, aqui o foco foi para a vida dos personagens, e nesse ponto o diretor, em parceria com a ótima fotografia de Kramer Morgenthau, nos brindou com cenas icônicas. Como por exemplo o momento em que Adonis vai treinar, levando junto com sua filha, e o diretor em um simples corte, nos apresenta três gerações de Creeds em seu habitat comum. Ou a forma de mostrar o sofrimento do protagonista ao filmá-lo gritando sua raiva ao fundo de uma piscina olímpica.
É nítido o respeito e cuidado do diretor na construção dos personagens e até mesmo referência ao legado da franquia por meio de estátuas, fotografias ou colagens. Outro destaque é a direção de atores. Caple dá espaço tanto para Michael B. Jordan quanto Stallone brilharem, que por sinal, fez falta a indicação de ao menos um deles nas premiações do Oscar.
A montagem dá uma boa dinâmica ao filme e ajuda a contar a história, assim como sua trilha sonora, que se isolada já é incrível. É muito bom ver quando a música faz parte da cena, não como plano de fundo, mas fazendo referência aos momentos dos personagens com base em suas letras. Preste atenção por exemplo, em toda a cena do deserto e imagine outra música aquele momento, a não ser Runnin (ouça abaixo). Simplesmente épico e ainda mais fazendo referência direta a clássica cena do primeiro Rocky.
As camadas:
É importante lembrar que este Creed, diferente do primeiro, é roteirizado por Stallone, e é fácil sentir seu estilo na história e suas já clássicas frases de efeito. Por esse motivo, assim como toda a franquia Rocky, Creed não trata de um filme de luta e de ação, mas de um drama humano que usa o boxe com plano de fundo para as lutas internas de seus personagens.
Em um dos primeiros diálogos entre Rocky e Adonis, quando o pugilista está prestes a fazer um importante pedido, Rocky é prático: “porque não desliga a mente e deixa o coração falar?” A frase é sintomática porque é justamente o contrário do que um treinador diria a um lutador, porém se encaixa ao contexto e reflete também a ansiedade de Creed. A frase faz ainda mais sentido quando, em uma cena seguinte, enquanto Adonis e Bianca (Tessa Thompson) falam sobre uma possível mudança, comentam que Rocky tem a vida dele e que ficará bem. Na cena seguinte, vemos Rocky sentado em frente ao túmulo da esposa e do melhor amigo, em cena idêntica à vista no primeiro Creed.
O detalhe é que todo esse contexto do personagem Rocky, que é profundo e tenso, não chega a interferir na história principal de Adonis e Bianca. Ao longo do filme acompanhamos a evolução humana e profissional de Creed, enquanto que a parte vemos também o percurso de Rocky agora, já em seu final de vida, carregando toda a sua história e junto a ela uma solidão e tristeza profundas e que Stallone revela apenas com olhadores.
Esse mesmo olhar de Stallone aparece no reencontro dele com Drago, logo no início do filme. Enquanto o russo acusa Rocky de ter “terminado” com a vida dele, ele responde apenas com olhares, como se dissesse, “tem certeza que foi só você que perdeu?”.
Análise de cena (SPOILERS):
E por mais que todo o filme se sustente na história de Adonis, são duas cenas envolvendo Rocky que entregam o ápice do filme. A primeira é a conversa dos dois na sala de troféus. Aqui, estamos em um importante momento de virada do filme, durante a mudança do segundo para o terceiro ato, e o filme todo para cinco minutos para praticamente um monólogo de Stallone. O personagem consegue estabelecer um ponto de virada profundo na trama do filme, basicamente com um belo discurso de convencimento. O diretor, assertivamente posiciona a câmera ao lado e na mesma altura dos dois, nos colocando junto aquele momento. São esses momentos que o tempo praticamente para no cinema, e as atuações tomam conta.
Outro momento extremamente simbólico é a forma como o diretor decide filmar o desfecho da última luta. Perceba que acompanhamos a decisão do vencedor e toda a celebração do lado de fora do ringue e junto com Rocky. Enquanto todos invadem o ringue a câmera se posiciona logo atrás das cadeiras dos técnicos, e vemos Rocky andando de costas, até sentar em uma delas. No corte, vemos o mesmo olhar vazio de Rocky, tanto para Creed quanto para Drago. O sentido disso? Não era uma luta para se comemorar, talvez ela realmente deveria acontecer, talvez nunca fosse mais necessário tocar naquele assunto, nunca se sabe. Mas o que vimos foi que diante dos acontecimentos, definir um vencedor era o menos importante. Tanto Rocky e Creed, quanto Drago e seu pai já haviam perdido a luta há muito tempo. Tudo foi um teatro, um cenário falso de personagens vazios que percorreram anos tentando preenche-lo seja por vingança, seja por ódio, por perfeição, por reputação e demais sentimentos mundanos. E daqueles quatro, talvez Rocky tenha sido o primeiro a compreender isso tudo e talvez isso tenha o levado a sua cena do final filme. E talvez esse desfecho tenha colocado Creed finalmente em sintonia com seu futuro, e não mais seu passado, e feito Ivan Drago finalmente ter jogado a toalha. Mas apenas talvez. Afinal, somos humanos, dificilmente aprendemos com nossos erros, e ao contrário de um filme, a vida segue depois dos créditos finais.
Nota: 8,03
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