Escrevo esse texto ainda com a
música Glory, vencedora do Oscar de melhor canção, reverberando na minha mente.
Confesso que assisti ao filme Selma – Uma luta pela igualdade, unicamente para
compor o texto 8 lições que os filmes indicados ao Oscar trazem para a sua carreira, e aqui vale uma crítica paralela para eu mesmo, que não sabia da
importância da cidade de Selma para a história, e para a fraca repercussão que
o longa vem recebendo, mesmo com a indicação a melhor filme e melhor canção no
Oscar.
Centralizado
na figura de Martin Luther King Jr. (David Oyelowo), o filme conta como o
pastor e os negros da cidade de Selma enfrentaram as forças políticas, sociais
e militares da cidade e do estado para dar início às marchas históricas de
Selma a Montgomery e a luta por direitos civis iguais para brancos e negros.
Como
registro histórico, Selma é impecável. Diferente de outras obras que tratam do
mesmo tema, aqui os negros são de fato os protagonistas e senhores de seu
destino. A cineasta Ava DuVernay não se apega ao melodrama barato e constrói um
filme forte, duro e conciso.
Em
grande parte de sua sequência o longa é coberto por uma fotografia sombria que
parece esconder e camuflar seus personagens, representando a difícil realidade
em que viviam para manterem-se longe dos olhos da polícia e também da população.
Além de passar uma sensação de confinamento vista nas reuniões e até mesmo nos
cultos promovidos por Luther King. Ao mesmo tempo os acontecimentos são
pautados por registros na tela assinados pelo FBI, o que colabora com o estado
incessante de vigia que aquelas pessoas viviam, principalmente King.
Este
que por sua vez tem aqui uma interpretação inspirada de Oyelowo. Fugindo da
visão heroica e de grande líder que temos de King nos dias de hoje, encontramos
o Nobel da Paz muitas vezes acuado e em dúvida sobre suas decisões. Oyelowo
interpreta duas faces de Luther King, a do líder inspirador que é capaz de
mover multidões com o poder de sua oratória e bravura, e do estrategista
político que ao mesmo tempo em que tem uma reunião tensa com o presidente da
república, vê-se pressionado também pela própria família e pelo fato de
mantê-los escondidos, uma vez que são alvos fáceis de seus inimigos.
Em
uma cena que exemplifica muito bem isso, temos King telefonando para sua esposa
de uma varanda, enquanto ela, do outro lado da linha, atende espremida entre
colunas de uma casa sob penumbra, porém com uma porta aberta ao fundo. Da mesma
maneira que vemos King “exposto”, ao ar livre, entendemos a proteção que este
busca oferecer a sua família, mesmo que uma porta entreaberta possa representar
apenas uma ilusão de segurança. A tensão criada por DuVernay ainda toma
elementos trágicos quando, na cena seguinte, um ativista é assassinado “ao ar
livre”, fazendo referência também ao risco de King corria na luta por suas
causas.
Complementam
o filme uma trilha sonora interessante, preocupada mais em ambientar os acontecimentos
do que compor a cena e um roteiro fiel aos acontecimentos e que, principalmente
não toma partido, ou seja, não transforma a história em uma guerra entre
mocinhos e vilões, mas em um período da história em que ideais de mudanças
precisavam ser conquistadas dia após dia.
E
talvez seja isso o que mais choque em Selma, assimilar que todas essas
atrocidades ocorreram há 50 anos. Somente quatro anos antes de enviarmos o
homem à Lua ainda entendíamos que o direito ao voto dependia da cor de sua
pele. Podemos lamentar que nossa sociedade que se diz tão evoluída demorasse
tanto para compreender isso, ou festejar que após esse acontecimento, muita
coisa mudou e hoje racismo é crime e atitude de cidadãos que não merecem viver
em sociedade.
Não
é à toa que nas principais frases da música Glory, entoadas ao final de filme,
John Legend grita, em tom de hino, palavras que soam para um tempo que
infelizmente, ainda não chegou...
Um dia, quando a
glória chegar,
Ela será nossa, ela
será nossa...
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