Tenho muito orgulho do meu time!
Neste final de semana mais uma vez o Sport Club Internacional propôs uma ação
pioneira e criou, pela primeira vez em território nacional (talvez mundial?), uma
zona mista entre torcidas rivais. Um espaço onde torcedores de Inter e Grêmio
poderiam assistir ao clássico juntos, lado a lado, sem se preocupar com ameaças
ou violência.
Não
compareci ao evento, mas pela cobertura da tevê a iniciativa foi um sucesso
absoluto. Sim, o jogo contou com uma briga entre torcidas organizadas antes do
jogo, mas que pode ser vista como um capítulo à parte e que não estraga em nada
a proposta.
É
engraçado como o futebol, ou qualquer outro esporte mexa tanto com as emoções
humanas a ponto de torcedores partirem para agressões físicas contra outros
unicamente por uma questão de gosto pessoal. Questiono se existe diferença
entre essa atitude para as injúrias racistas ou xenofóbicas vistas ao redor do
mundo.
O
futebol, inclusive, adotou a palavra “fanático”, em seu mais puro e até ingênuo
sentido, para aqueles torcedores apaixonados pelo seu clube (inclusive teve até
empresa usando da expressão para vender produtos). No entanto é curioso que
esta mesma palavra, utilizada em outros temas, torna-se perigosa e condenadora.
É o caso dos fanáticos religiosos do Estado Islâmico, que recentemente vem
praticando atrocidades ao redor do mundo, ou dos fanáticos políticos vistos
nessa última eleição. O fanatismo é perigoso, é excessivo a ponto de cegar as
pessoas. E a única diferença entre o fanático por futebol e um fanático
religioso é a magnitude de seus atos, pois ambos são condenáveis e merecem a
reclusão social imediata.
Conheço
casos de colorados que não falam a palavra Grêmio ou gremista, substituindo-as
por apelidos pejorativos, assim como gremistas que falam abertamente que odeiam
de todas as formas os colorados. Detalhe que esse ódio não é apenas modo forma
de falar, é um sentimento por eles cultivado e motivo de orgulho. Questiono a
que ponto chega uma pessoa de levar seu amor por um clube ao limite de odiar
desconhecidos e até conhecidos unicamente por não compartilharem de uma mesma
opinião.
Uma
torcida organizada do Inter grita em todos os jogos “Eu vou matar um puto
tricolor”, enquanto a gremista responde “chora macaco imundo”. Os defensores
poderiam se levantar e dizer que são atitudes isoladas de membros das torcidas,
mas não. Uma vez entoadas em uma partida de futebol, essas mesmas letras
reverberam em coro pelos outros 20, 30, 40 mil torcedores.
No
ano passado a torcida gremista foi acusada de racista e punida em jogo da Copa
do Brasil em um ato explícito e vergonhoso de seus torcedores. Não, não foi um
fato isolado! Os cânticos da Geral são prova disso, foi uma atitude alimentada
por anos pela direção e torcedores que em nenhum momento repudiaram o ato. Ao
contrário, apoiavam (lembrando que isso não se trata de um fato exclusivo do
Grêmio, visto que praticamente todas as torcidas organizadas do país
compartilham os mesmos problemas). Também no ano passado, a torcida do Inter
caiu aos risos quando a torcida gremista “Coligay”, primeira torcida organizada
homossexual do Brasil, anunciou que voltaria a ativa nos jogos da Arena. O
Sport Club Corinthians Paulista chegou ao cúmulo de pedir a expulsão de um
jogador e ser jurado de morte por este postar em redes sociais uma foto em que
está beijando outro rapaz. Sem falar nas cotidianas brigas entre torcidas aos
arredores dos estádios antes das partidas, muitas terminadas em mortes. São
exemplos que mostram os extremos de um esporte que, até onde se sabe, é motivo
de alegria, lazer e festa.
É
por todos esses motivos que a ação do Inter (e do também Grêmio, pois sem o
apoio do rival seria impossível de ser realizada) neste final de semana deve
ser tão comemorada e repetida. Os exemplos de gremistas e colorados que
entraram no estádio de mãos dadas são incríveis. Namorado e namorada, pai e
filho, tio e sobrinho, amigos, famílias inteiras. Ambos apaixonados pelos seus
clubes e um pelo outro.
Não
tenho dúvidas que os mesmos torcedores que entraram no estádio juntos e
confraternizando, estavam em outros jogos xingando o rival aos berros. Isso é ótimo!
Um clássico, uma rivalidade não se faz de violência e confrontos, mas de
competição, desafios e provações. E saber que esses torcedores compreendem o
limite entre apoiar o seu time e respeitar seus adversários é o caminho para
uma sociedade mais tolerante.
O
Inter nasceu da sombra do Grêmio, que no início do século passado era soberano
em Porto Alegre. Com o tempo, o Inter superou o Grêmio e a rivalidade ascendeu.
Quando o Grêmio construiu o maior estádio de Porto Alegre, o Inter ergueu um
gigante de dentro d’água. O Grêmio então resolveu conquistar a América e o Mundo.
O Inter não ficou para trás e anos mais tarde igualou os títulos. A história
dessas duas forças é incrível. Sem o Inter o Grêmio nunca seria campeão
mundial, e vice versa. O que move Inter e Grêmio, muito acima de títulos e
competições, é a rivalidade. O departamento de marketing de ambos os times sabe
muito bem disso, e mantém viva essa chama que concordo, nunca deve se apagar.
Acontece
que como em tudo na vida, deve existir um limite. E é responsabilidade do clube
e da sociedade estabelecer esse limite. Ou seja, não é admissível que os clubes
continuem permitindo cânticos preconceituosos e racistas dentro dos estádios e
utilizando a marca do clube, assim como a própria sociedade não deve apoiar
essas manifestações. Por isso a ação desse último domingo ter sido tão
importante e simbólica.
Luto
para que a torcida mista seja uma realidade perpétua em nossos estádios, para
que amigos e familiares com times opostos possam assistir a seus jogos um ao
lado do outro em um perfeito exemplo de civilidade, tolerância e espírito
esportivo.
Não
vi nenhuma organizada do Inter divulgando nota em apoio a ação em suas redes
sociais. É uma pena. Acredito que um colorado que vai a esse setor, não deixa
de ser menos apaixonado pelo Inter por compartilhar um espaço com um gremista.
Inclusive, dentre vários exemplos incríveis vistos no domingo, um em particular
me chamou muito a atenção. O presidente Fernando Carvalho, ídolo eterno do
Inter (que mesmo nove anos após ter deixado a presidência do clube ainda é
chamado de presidente), convidou o ex-conselheiro gremista e eterno flautista
do Inter para assistirem juntos ao jogo no Beira-Rio. Atitude exemplar e muito
significativa. Os dois participam do Sala de Redação, programa esportivo da
rádio Gaúcha, e diariamente se dilaceram defendendo seus times. Domingo estavam
juntos, um ao lado do outro, sorrindo e torcendo cada um para a sua paixão.
Confesso
que se a zona mista permanecer nos estádios, vou preferir assistir a uma
partida ao lado da torcida do meu time. Faz parte da minha experiência
futebolista cantar os cânticos até ficar sem voz, reclamar do lateral esquerdo,
falar mal da mãe do árbitro e quase entrar em campo de tanto xingar o
adversário que vai cobrar o escanteio. Tudo faz parte da experiência e das
sensações que o futebol proporciona. A flauta deve existir sempre, a rivalidade
mais ainda. É ela que move o futebol, a ambição de ver seu time acima de todos,
principalmente do rival, a ganância de querer ganhar até o cara ou coroa no
início da partida. E isso deve prevalecer. A paixão pelo futebol é criada a
partir disso.
Dentro
desse país nenhum outro esporte proporciona tantas emoções e frustrações
semanais quanto o futebol. O simples resultado de uma partida pode deixar o dia
perfeito ou aterrorizante. Por 90 minutos de futebol viajamos oito horas, faltamos
ao trabalho, levamos chuva nas costas, passamos a maior parte desse tempo
sofrendo porque a zaga é insegura e o técnico insiste naquele volante de
talento duvidoso. Pelo futebol tudo isso vale a pena!
Infelizmente
para muitos, essas emoções se confundem com selvageria, vandalismo e
preconceito. Onde impor sua opinião é o que importa. O futebol acaba então tornando-se
um espelho e revelando o quão ignorantes e pouco evoluídas essas pessoas são.
Nada justifica um ódio a outro ser humano unicamente pela camisa que ele veste.
E cultivar esse sentimento não nenhum motivo de orgulho. Inter e Grêmio não
vivem um sem o outro. E por mais que um queira que o outro se dê mal, é sempre
bom tê-lo por perto, contanto que esteja abaixo na tabela de classificação.
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