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Adeus cinema nacional


Para quem ama cinema, dói mais que um soco na boca do estômago. É a perda de uma inútil esperança que ainda era mantida acesa, de um olhar otimista para o um futuro não tão distante.
Nas últimas semanas jornais do Brasil inteiro destacaram a situação absurda que vive o polo cinematográfico de Paulínia, cidade do interior paulista. Um investimento com recursos públicos que chegaram a 490 milhões de reais. O estopim deu-se ontem, em matéria divulgada pelo CQC, em TV aberta por meio do quadro Proteste Já.



Lembro quando as primeiras e animadoras notícias chegavam junto com a inauguração do espaço, há cinco anos. Manchetes diziam que Paulínia se transformaria na Hollywood brasileira, o polo seria o maior da América Latina (e foi) e alavancaria as produções nacionais para um reconhecimento internacional. Além disso, geraria empregos, seria cento de estudos, formaria diretores, roteiristas, atores, e alimentaria a cultura se não fosse o país, ao menos de uma cidade.
Nada disso aconteceu. Hoje, como a própria reportagem diz, o polo virou uma cidade fantasma, com estúdios abandonados, vidros quebrados e construções totalmente abandonadas. A escola “Magia do Cinema”, que buscava a formação de profissionais para a área virou escola de ensino fundamental e todos os workshops de cinema foram cancelados.
Especulações dizem que a falta de incentivo vem em virtude da troca de mandato dos prefeitos. Um inaugura o polo e faz promessas para ele, o outro vem e corta os investimentos. É lamentável, mas não é esta a discussão que quero fazer. Em verdade, o discurso é pessimista, de abandono. De olhar dia após dia notícias de um país doente, sem solução, repleto de pessoas com má índole e inúmeros outros adjetivos que não fazem bem nem escrever.
Paulínia é uma cidade pequena, porém rica, tem o maior polo petroquímico do Brasil, o polo cinematográfico foi uma opção para fugir da dependência do petróleo, assim como o turismo de cultura (o último festival do SWU aconteceu lá).
O polo de cinema produziu no ano passado mais de quarenta filmes, entre eles “O Palhaço” uma das poucas obras primas que foram vistas nesse país. Hoje estão sendo rodados três filmes em Paulínia, ainda com edital de autorização assinado em 2012. O próximo ano é um mistério. Não existe mais cinema em cidade.
Lembro muito bem que ao saber que o SWU seria lá, corri para o mapa para ver a sua localização. “Perto de Campinas, na mesma cidade do polo de cinema”, lembro que disse, fácil de chegar. Enchi-me de vontade de conhecer a Hollywood brasileira, a casa do cinema nacional, o local onde nasceria o filme que nos levaria ao Oscar, a retomar Cannes, a mostrar ao mundo a cultura brasileira em forma de película.
Nada de novo, o Brasil volta a ser o país sem Oscar, das comédias baratas, dos filmes de favela e da pornografia. Tínhamos a esperança de que o Cinema Novo, em 60 e 70 construiria um império de filmes clássicos. Não aconteceu. Nos anos 90, veio a “retomada do cinema brasileiro”, que rendeu a criação da Lei de Incentivo ao Audiovisual e da Ancine. Muitos dizem que Cidade de Deus (2002), foi o filme que marcou o final desta retomada. Paulínia enterra de vez a mais pequena e singela esperança que alimentávamos. Dói ver tudo isso, e dói ainda mais dizer que você nasceu e continuará sendo brasileiro.





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