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Ob-La-Di, Ob-La-Da


O título deste texto até poderia ser a sequência da música, Lives goes On, que o raciocínio se assemelharia. A canção do título que baseada em uma pesquisa britânica já foi considerada a pior do mundo, conta a simples história de um casal que se encontra e forma família, um Eduardo e Mônica sem demasias!
                Mas o propósito do texto se dá longe de Beatles ou qualquer coisa do gênero. Na verdade diz respeito a um interessante programa descoberto por acaso: Perdidos na Tribo. Transmitido pela Band, se baseia na convivência de três famílias brasileiras com tribos antigas da África e da Ásia. A partir daí dois pontos: 1) As tribos são antigas mesmo e me surpreendeu o fato de que, em pleno século XXI, ainda existam seres humanos que vivem a base de costumes milenares e alienados de qualquer tipo de civilização, comodidade ou tecnologia. 2) Comecei interpretando o programa como um desafio, com tarefas, dificuldades impostas e problemas. Concordo que o teor maior seja mesmo esse, dado o extremo choque cultural que é apresentado. Porém, a lição de humanidade dada pelas tribos é tão nítida e ingênua que assombra e assusta.
                O mais interessante é que “entramos” na tribo junto aos próprios participantes, com total curiosidade e sem o menor conhecimento sobre eles. No início, tudo é estranho, absurdo, ridículo e vulgar. Homens dormem ao relento, crianças que para tornar-se adulto devem perder os dentes da frente, mulheres proibidas de tomar banho, casas construídas com estrume de vaca e animais como porcos e cachorros convivendo junto às pessoas.
                A questão é que com o passar do tempo, tanto os participantes como nós, espectadores, começamos a entender e a concordar com os costumes dos nativos. Após retirar estrume no mesmo recipiente usado para comer e rebocado o chão da casa com o material misturado a agua usando as próprias mãos, uma das participantes concorda que, após seco, o resultado é muito melhor que chão batido. Quanto a tomar banho, escovar os dentes e até lavar as mãos, nossas regalias cotidianas, tornam-se impossível tendo como contexto uma Etiópia seca e sem abastecimento de água.
                Toda essa viagem cultural só me traz a tona um simples pergunta: “Porque vivemos?”. Um jovem Mentawaii (tribo da Indonésia), após uma noite inteira de sono, acorda, pega seu arco e flecha e vai a caça. Enquanto isso, as mulheres passam o dia confraternizando e fazendo seus afazeres domésticos, que não são muitos, por sinal. Exímio caçador, ao retornar, o banquete começa a ser preparado. Todos se reúnem, compartilham a comida e saúdam uns aos outros. Depois, danças e rituais de agradecimento terminam o movimentado dia. Nossas necessidades básicas (alimentação, social e lazer) foram saciadas, e o descanso é uma benção final!
                Na nossa realidade moderna, toda a vida é uma busca incessante em alcançar o mais alto degrau (se é que ele existe) em todas estas necessidades e sair à procura de outras (status, conforto, luxo...). A felicidade para os Mentawaii, Himba e Hamer (as tribos do programa) é diária, é estar em convívio harmonioso com seus conhecidos. Tudo o que eles precisam está ali. O que é dormir no chão para quem nunca deitou em um colchão? O que é comer um macaco para quem nunca provou chocolate? O que é ar condicionado para quem vive na linha do Equador?
                Engraçado é que mesmo sem nenhuma das regalias do nosso tempo, laços como família, amizade, respeito, confiança e honra são muito bem preservados por eles. Sinal de um código genético abandonado por nós? Mais “engraçado” ainda é que a principal resposta para todo esse questionamento é que a vida humana evoluiu. Somos muito melhores e vivemos muito melhor do que antigamente. Concordo! Tudo é e será sempre melhor do que foi! Mas para quem? Quem vive melhor? Os membros da tribo Hamer ou os 1,8 milhões de moradores de rua que existem apenas no Brasil? A perspectiva inicial do Hamer é ser respeitado por seu povo, constituir família e oferecer um lar digno a ela! Se 1% desse ideal correspondesse ao provável futuro de um mendigo, já seria um grande salto. Esperança é a primeira palavra a perder sentido para eles. Somos muito melhores e vivemos muito melhor do que no mundo antigo que nós mesmos criamos.  
                O ser humano não precisa de tudo o que nossa sociedade oferece para viver! Criamos uma sociedade e um modo de pensar diferente do qual surgimos, onde necessidades básicas se envolvem com ambição, ganancia e supremacia! Não estou falando aqui para voltarmos aos primórdios ou alguma espécie absurda de nostalgia do tempo das cavernas. Mas pensar que precisávamos de tão pouco para viver em paz e evoluímos tanto para, no fim, nos diferenciar por raça, etnia ou religião e provocar guerras em virtude disso não parece um pouco vago? Como dizia no início do texto, a música dos Beatles, Ob-La-Di, Ob-La-Da soa de forma estranha, confusa! Mas quem sabe não é assim que vivemos agora, trocando um Life Goes On, por palavras sem sentido!
                Bom seria se a vida continuasse como Molly e Desmond vivem na música, apenas continuando, apenas goes on, bra!


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