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Welcome to Wrexham: uma receita pronta de construção de marca

 Como dois atores de Hollywood deram uma aula de construção de marca em dezessete episódios de 20 minutos cada. E como isso é um exercício genuíno de brand equity




Contexto


Para quem não sabe, em 2020, os atores Ryan Reynolds e Rob McElhenney compraram o AFC Wrexham. Um time de futebol centenário do País de Gales que viveu tempos áureos na década de 70, mas que até ano passado amargou a quinta divisão do campeonato inglês. A série Welcome to Wrexham, disponível na plataforma Star+, mostra o primeiro ano desse projeto e o desafio de devolver o clube aos patamares mais altos do esporte.


Celebridades investindo em marcas, e em especial no esporte não é uma novidade. Dizem que tudo começou com a parceria entre Michael Jordan e a Nike nos anos 80, que resultou na criação da Air Jordan, e que comentei nesse texto.


A lógica por trás disso é denominada hoje Media for Equity. A celebridade entrega sua imagem e se coloca como um canal de comunicação em troca de participação na empresa, um negócio em que todos saem ganhando (ou perdendo).


O próprio Ryan Reynolds já se aventurou positivamente outras duas vezes antes do Wrexham. Com a fabricação do seu próprio gin e comprando participação na empresa de telefonia Mint. Mais recentemente, ele e Rob comunicaram ter comprado participação na equipe francesa de Fórmula 1 Alpine. Sinal de que os negócios vêm dando certo.


O Wrexham


Mas o Wrexham parece ser um caso à parte. Apesar de qualquer negócio ser, de certo modo uma aposta, comprar um time da quinta divisão e ter a ambição de elevá-lo a um nível competitivo na liga de futebol mais difícil do mundo, parece fugir um pouco da lógica. Acrescenta-se a isso o fato que tanto Ryan quanto Rob não entendem nada de futebol (no último episódio da série ainda vemos Ryan questionando que é prorrogação) e que ambos moram em Los Angeles, há literalmente um continente e um oceano de distância da cidade de 60 mil habitantes que leva o nome do time.


Os dois atores investiram R$ 63 milhões para comprar o time. E as primeiras justificativas para esse valor começam a se dar pela história do Wrexham e um argumento fundamental para branding:


Storytelling


O Wrexham é o time de futebol mais antigo do País de Gales e o terceiro mais antigo do mundo. Seu estádio, o Racecourse, é o estádio internacional mais antigo do mundo em atividade. Tem capacidade para 10 mil lugares e conta com uma torcida absolutamente fanática, que viu seu time, que chegou a disputar a segunda divisão da Inglaterra nos anos 70 e mantém-se ativa mesmo com os inúmeros descensos desde então.


Entretenimento como negócio


A compra do Wrexham não representa uma ação de media for equity, afinal, eles compraram 100% do clube e tornaram-se proprietários. Mas a maneira como avançaram com o desenvolvimento do time sim. Muito do dinheiro que o time vem arrecadando (além do já investido pelos proprietários), vem de parcerias e ações em detrimento da visibilidade e imagem, principalmente, de Ryan Reynolds. Não por acaso, o principal patrocinador da camisa do time deixou de ser uma empresa local da cidade e passou a ser o TikTok. Expedia é outra empresa que apostou no time. Durante a série podemos ver os atores participando de programas da Expedia e até fazendo propagandas para empresas locais, em troca, provavelmente de apoio ao time.


E isso fala muito mais das marcas do que do próprio time. TikTok talvez seja a marca que surfe melhor na atual era dos influenciadores, e encontrou aqui uma oportunidade de gerar entretenimento a partir de uma marca que representava o início de uma curva de ascensão.


A exposição que a marca ganhou também representa novas fontes de receita. De cotas maiores de patrocínio e televisão, a um público mais frequente nos estádios, venda de produtos licenciados e consequências no próprio turismo da cidade. Wrexham foi o primeiro clube de ligas inferiores a ser licenciado para o game FIFA, despertando um olhar para futuras gerações.


A série


Welcome to Wrexham talvez seja um dos principais pontos de toda a estratégia de marketing do time. Apostar em revelar os bastidores de um time é algo que já se mostrou assertivo em outros clubes, visto as séries All or Nothing, da Amazon Prime, que revelou bastidores de equipes como o Manchester City, Arsenal e Juventus. E os números da primeira temporada de Welcome to Wrexham revelam um novo acerto. Segundo a ESPN, a audiência qualificou a série com 97% de críticas positivas, gerou ainda 3,2 milhões de dólares em receitas (cerca de 400 mil dólares por capítulo) e um crescimento de seguidores nas redes sociais do clube, conforme se pode ver abaixo:


Twitter: de 45 mil para 539.359 seguidores

Instagram: de 27 mil para um milhão de seguidores

TikTok: de 0 pra 1.4 milhão de seguidores



O interesse pela série e o renascimento da marca também resultaram em 185.289 novos visitantes, que gastaram mais de 290 mil libras em mercadorias oficiais no site da equipe, sem contar as compras em lojas físicas, que, somadas, também chegaram a 360 mil libras de lucro, segundo o clube.



Pessoas e comunidade


Porém, engana-se quem pensa que vai assistir a uma série sobre esporte ou um deal de negócios. A série, acertadamente, mergulha dentro da história e da cidade de Wrexham. Acima de Ryan e Rob, e até mesmo dos jogos e dos jogadores, estão os torcedores. A palavra comunidade é uma das mais citadas entre todos os episódios. Acompanhamos a jornada do time na busca pelo acesso enquanto ouvimos relatos de pessoas comuns que contam a sua vida e seu vínculo com Wrexham. Do dono de um pub, passando por um grupo de idosos até o padre da cidade. Todos estão envolvidos. 


Não é difícil de imaginar que, com o consequente sucesso do time, esses torcedores também se popularizem e tomem o papel de influenciadores do próprio time. Esse efeito de comunidade, apesar de ser um conceito antigo do marketing, vem ganhando destaque junto às marcas por ser uma das melhores formas de gerar conexão com seu público. Nesse ponto, a série é um dos melhores exemplos de como atrelar conteúdo, construção de marca e geração de comunidade ao mesmo tempo. 

Por fim, a série também se permite entrar na intimidade dos jogadores do clube. E por se tratar de um futebol de nível amador, muito longe da realidade dos grandes clubes, expõe suas dificuldades, desejos e realidades. 




Talvez seja esse ponto que a diferencia de tantas outras produções do gênero, onde o foco está na pressão pelos resultados, estratégias e superação. Ou no exemplo da Fórmula 1 com Drive to Survive, que comentei aqui, (https://luiztonon.blogspot.com/2020/10/como-o-marketing-reinventou-formula-1.html) onde um dos principais acertos foi simplesmente tirar o capacete dos pilotos e expor o ser humano por trás dele. Porém, esse ser humano é sempre milionário e seus day offs são gravados ou jogando golf, ou na casa do lago da família ou bebendo vinhos em um cenário paradisíaco da Toscana. Não existe nada disso em Wrexham e é esse que acredito ser o segredo do atual sucesso do time: sua capacidade de gerar conexão com seu público.


A ligação de torcedores com seus times, na maioria dos casos se dá por memórias da infância, ou da relação com pessoas próximas que compartilham do mesmo interesse. Indiretamente, o que o Wrexham busca é gerar essa proximidade e conexão com torcedores ao redor do mundo. O que antes era um time desconhecido, hoje é uma marca relativamente famosa e que desperta desejos distintos a quem acompanha: até onde vão chegar, quem são os jogadores, quais os próximos jogos… E isso é gigantesco. É algo que até mesmo os principais times do mundo, salvo algumas exceções, ainda não executam com tanta plenitude. Vale para clubes de futebol, quanto vale para marca de chaveiro. Ao final, todas querem ou serem vistas, ou gerar conexão. Wrexham vem fazendo as duas coisas. E isso muda o jogo.   


Resultados


Atualmente o Wrexham está na 4ª divisão do Campeonato Inglês. O equivalente a série D no Brasil. O time vem se reforçando segundo seu plano de ascensão no campeonato. Também iniciou a temporada com amistosos contra o Manchester United e o Chelsea, dois dos principais times ingleses, além de viajarem para os Estados Unidos jogar contra o Los Angeles Galaxy, time de David Beckham. Além do dinheiro garantido dessas partidas, impensáveis sem a vinda de Reynolds, está a visibilidade que aos poucos o time vai gerando.


Além dos números, depoimentos como esse da ESPN, “Nos últimos meses, definitivamente não há clube mais divertido de acompanhar que o Wrexham AFC”, ou “o time do momento”, e ações como o atual atacante do time, Paul Mullin, em escrever um livro sobre sua ainda recente história em Wrexham, revelam que existe muita estratégia de marca por trás de qualquer ação anunciada. O efeito comunidade já é percebido no Brasil, o site www.wrexham.com.br mantém-se atualizado diariamente e é focado na transmissão de jogos da equipe. Ele já se intitula como a maior comunidade internacional do Wrexham.


A segunda temporada de Welcome to Wrexham estreia nesta semana nos Estados Unidos. A previsão de estreia no Brasil é para novembro. Atualmente o time tem 1 milhão de seguidores no Instagram e 1,4 milhões no TikTok (lembrando que a cidade do time tem 60 mil habitantes). Alguém imagina qual será esse número ao final da temporada?




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