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A estratégia de marketing do Inter

 Dia 5 de julho de 2022 foi um dia histórico para os torcedores do Inter. Aqueles mesmos que viram o time perder de 3x2 quando ganhava de 2x0 há menos de vinte dias, viram o mesmo time ganhar de 4x1, quando perdia de 3x0 no agregado. Coisas do futebol. Aquele jogo levou 40 mil pessoas a um estádio. Milhões de pessoas assistiram pela TV. Os principais veículos de comunicação do estado e do país comentaram vinte e quatro horas antes e vinte e quatro horas depois da partida. O Inter ganhou mil novos sócios na semana do jogo. A renda da partida foi de mais de 1 milhão de reais. O Inter recebeu, por ter se classificado, 600 mil dólares ou 3,2 milhões de reais na cotação de hoje. 

Números incríveis que são comuns para os principais times do Brasil. O futebol é uma máquina de fazer dinheiro e é assustador como os clubes aproveitam mal todo esse potencial. A partida de terça-feira foi uma exceção. O Inter soube transformar um jogo em um espetáculo e acertou muito na sua estratégia. Venho aqui elencar alguns desses acertos e pontuar outros, a fim de explorar ainda mais todas as possibilidades que o futebol tem de crescer nesse país.



  • Ingressos gratuitos

O Inter fez questão de lotar o Beira-Rio e além de promoções e valores reduzidos para sócios e não sócios, também fez movimentos com os principais canais de comunicação do estado para o sorteio de alguns ingressos restantes para um evento que já estava em sold out. Conseguiu assim mídia gratuita e de valor para milhões de pessoas, praticamente de graça. Golaço.

Pré-jogo

  • Ruas de fogo

O evento realizado por torcidas organizadas teve apoio e envolvimento do clube que entendeu que aquele momento fazia parte do espetáculo, inclusive repercutindo em seus canais. O resultado foi não só as organizadas, mas todos que foram ao estádio acompanhando o evento e chegando mais cedo para assistir.

  • Sorteio de camisas

Antes do jogo houve sorteio de brindes para a torcida que estava no estádio. Apesar de protocolar, apenas com funcionários uniformizados fazendo os disparos, é uma forma de entregar algo à torcida enquanto aguardam o início do jogo.

  • Entrada acessível

Desde a revitalização do Beira-Rio, entrar e sair do estádio se tornou um processo rápido e simples. O processo de check in prévio (não existe venda de ingresso no local) também facilita. Por mais simples que seja, a experiência também se constrói em fazer o básico bem feito, e isto é um exemplo;


Pós-jogo

  • Envolvimento com torcida

Com o placar ao seu lado, um show de luzes conectou torcida e jogadores no final do jogo. É mais uma forma de contribuir com a experiência e transformar a partida em algo a mais.

  • Ídolos assistindo o jogo

Grandes ídolos do Inter foram vistos assistindo o jogo no estádio. Acredito que não tenha sido ao acaso e houve um trabalho do clube em ao menos convidá-los a assistir a partida. Eles vieram, fizeram mídia gratuita, interagiram com a torcida e agregaram ainda mais para o evento.


O torcedor apaixonado não se importa em encarar essa jornada. Mas para novos torcedores ou um público não-familiarizado com esse ambiente pode ser uma experiência frustrante. E por mais que os torcedores tradicionais digam que ações como esta “acabam com o futebol”, a verdade é justamente o oposto disso.


Tudo parte do conceito de math day, muito bem executado na Europa e nos Estados Unidos, onde a partida é apenas o ingrediente final de uma experiência completa com o time. Essa experiência se espalha no entorno do estádio, com música, ações promocionais do time e de marcas patrocinadoras, mascote interagindo com as crianças, quiosques e food trucks.

O envolvimento com uma partida de futebol é de, no mínimo, quatro horas, considerando o deslocamento. Para quem mora mais longe esse tempo pode tranquilamente dobrar. O torcedor apaixonado não se importa em encarar essa jornada. Mas para novos torcedores ou um público não-familiarizado com esse ambiente pode ser uma experiência frustrante. E por mais que os torcedores tradicionais digam que ações como esta “acabam com o futebol”, a verdade é justamente o oposto disso. As novas gerações já apresentam sinais claros de preferência por times europeus e jogos online. Entender futebol como uma experiência e um negócio é algo urgente para todos os times do Brasil, principalmente vislumbrando um cenário de longo prazo e a sustentabilidade dos times.

Abaixo, algumas ações que de maneira rápida podem contribuir para esta mudança de cenário:


  • Comunicação aberta

Inter e Grêmio são indiscutivelmente as marcas que mais têm repercussão na mídia no estado. Praticamente toda TV, rádio e jornal de nível estadual repercutem ao menos uma vez por dia algo sobre os clubes. Toda essa informação se dá por terceiros, não há um canal de comunicação direta e clara com seus torcedores. As redes sociais do clube são extremamente protocolares e pouco cumprem a função de conversar e dialogar com a torcida. Hoje elas são o principal canal de comunicação e interação com o torcedor, e esta função não é cumprida, estabelecendo um contato apenas informativo e burocrático. Não há, por exemplo, produção de conteúdo pensado para redes sociais. Apesar disso, ainda são um dos conjuntos de redes sociais que mais cresce dentre os times nacionais, mostrando o potencial de crescimento que se apresenta. 


  • Jogadores influenciadores

O caminho para um jogador se tornar um ídolo passa irrestritamente dentro das quatro linhas, mas como ativo do time, ele precisa, cada vez mais, estar envolvido com as ações promocionais do clube. Desde as redes sociais, a participação em eventos e no corpo a corpo com torcedores. Na era da informação, os jogadores ainda estão alheios ao contexto do clube e da cidade onde vivem. É ilógico, pois é uma possibilidade de se aproximar da torcida e valorizar ainda mais sua própria marca. Qual empreendedor perderia a oportunidade de estar conectado com seu cliente de forma tão frequente e sintomática? Ouso dizer que isso tende a se tornar tendência e em pouco tempo estaremos vendo atletas trabalhando melhor suas marcas pessoais para gerar valor para sua carreira. 


  • Resgate de ídolos

O futebol vive também de ídolos. E resgatá-los e trazê-los ao dia a dia do clube é uma forma de mobilizar e envolver a torcida. O Inter faz muito bem isso em eventos no interior do estado e junto a consulados. Porém eles são personagens que podem estar envolvidos nas atividades do match day, interagindo com os torcedores e participando de ações promocionais.


  • Experiências extra campo

Os jogos de Inter e Grêmio movimentam em média 20 mil pessoas por partida. Em sua grande maioria homens. Ir ao estádio hoje ainda não é um programa de família. E muito disso se dá porque toda essa movimentação depende unicamente do resultado do jogo. A experiência só vale se o resultado for positivo, se não, é frustrante. Novamente, para o torcedor, isto já está de bom tamanho, mas não é suficiente para atrair novos. O antes e pós jogo precisam contar com atrações que envolvam o torcedor e que se coloquem como diferenciais, tornando aquele dia agradável, mesmo quando o resultado não vem.


Na era da informação, os jogadores ainda estão alheios ao contexto do clube e da cidade onde vivem. É ilógico, pois é uma possibilidade de se aproximar da torcida e valorizar ainda mais sua própria marca. Qual empreendedor perderia a oportunidade de estar conectado com seu cliente de forma tão frequente e sintomática?


  • Telões

O Beira-Rio possui dois telões digitais gigantescos dentro do estádio. E é surpreendente o quanto eles não são utilizados. O clube tem a audiência de 40 mil pessoas e não faz uso deles para interagir, comunicar e se conectar com estes torcedores.


  • Senso de comunidade

O senso de comunidade é uma das principais tendências de marketing. Em times de futebol ela existe e muito, mas curiosamente ela se forma no entorno do time, sem envolvê-lo. O próprio clube fica a par da sua torcida. Criar ações para engajar e envolver a torcida é fundamental para gerar um senso de comunidade e conexão com a marca, seja nos dias bons ou nos ruins.


  • Vantagens para sócios

Sou sócio do Inter há quase dez anos e as únicas informações que recebo do clube são protocolares envolvendo ingressos ou venda de camisas. O clube claramente não busca uma conexão mais próxima com o torcedor, assim como muitas empresas que abrem mão de construir um relacionamento a um cliente que comprovadamente tem chances muito maiores de compra do que um novo.

Aqui entram também as experiências, como sortear um camarote por jogo, tirar foto com jogadores no pós jogo, visitar os vestiários, fazer um passeio orientado no estádio, conhecer ídolos antigos. Ações que bem organizadas possuem um custo extremamente baixo para o clube e tendem a fidelizar mais a torcida, aumentando uma renda recorrente.


  • Atenção para as crianças

Crianças são fáceis de agradar e de encantar e mesmo assim são poucas as ações dos times para com elas. Não existe no estádio um lugar propício para o pequeno torcedor, seja para encontrar o mascote do time. É na infância que a paixão por um clube se faz, e é curioso aqui não ver ações pensadas para este público em um momento de tanta conexão quanto um jogo.


  • Ligas fortalecidas e partidas de alto nível técnico

E claro, para que a experiência esteja completa o jogo precisa ser agradável de assistir. Hoje o país sofre com um calendário inchado com muitas partidas e um baixo nível técnico. Um dos caminhos para reverter isso está na criação de uma liga profissional que eleve o nível dos jogos. Esta mesma liga precisa reduzir o calendário, justamente para deixar os jogadores em condições de se dedicar mais à parte técnica e tática e também exercer suas funções como ativos do time, conforme citados acima. 



Os clubes, por não possuírem uma gestão profissional, esquecem que além de gerir um time, gerem também uma marca e esta marca, como qualquer outra, precisa de um olhar para o longo prazo. O business dos clubes não é futebol, é entretenimento e lazer, o que perpassa as quatro linhas do campo. É óbvio que no fim das contas os resultados são o principal fator, porém olhar e se preocupar apenas com isso é ficar míope nas demais oportunidades que se apresentam e ao próprio comportamento do mercado. Cultivar uma marca sadia e forte gera resultados ao longo prazo, entrega mais receita para o clube, atrai patrocinadores e parceiros, aproxima a torcida mesmo nas dificuldades e encaminha a construção de um planejamento que mantém o clube em constante evolução.

Creio que não seja uma questão de se isso acontecer, mas de quando. Os primeiros clubes que perceberam que, de fato, não é só futebol, tendem a sair na frente. 


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