Já não é novidade que a internet mudou totalmente o mundo em que vivemos. Além da mudança tecnológica, passamos por uma importante mudança social, que ainda estamos começando a entender. O modo como nos mantemos informados é um exemplo disso. Antigamente era comum em locais públicos encontrar jornais e revistas, a informação de credibilidade estava lá, impressa e tangível.
Era um método fácil de ficar informado. Precisávamos basicamente de uma
lógica de interpretação de textos, esta aprendida na escola, para decorrer os
olhos sobre as gigantescas matérias e reportagens. Quanto mais caracteres, mais
credibilidade ela era. Ainda temos em mente a imagem do intelectual que cruzava
as pernas com um jornal standard no colo para se “atualizar” sobre o mundo.
Digo “temos em mente” por que ver essa imagem ao vivo é cada vez mais
raro. O intelectual hoje pode fazer o mesmo exercício manuseando um tablet,
teclando no notebook ou acessando o smartphone. No entanto, nem só de “palavras
escritas” vivem esses gadgets. A informação ficou mais universal e não precisa
mais ser veiculada na forma de texto.
Hoje contamos com canais de televisão reproduzindo informação 24 horas
por dia, jornais impressos trazendo matérias complexas explicadas por meio de
imagens e infográficos, sites com muito conteúdo em vídeo, podcasts fazendo uma
nova revolução dentro da internet, o YouTube sendo uma das plataformas online
mais rentáveis, visto seu amplo público, entre outros.
Resumindo, está mais simples e mais fácil acessar a informação, no entanto,
isso não significa que compreendê-la tenha se tornado igualmente fácil. O
motivo é simples: passamos o ensino fundamental, médio e a faculdade aprendendo
compreensão e interpretação textual. Nada foi mencionado sobre interpretação
audiovisual.
O papel da
educação
Tenho um grande apreço pela literatura. Acredito que o papel dela no
desenvolvimento do cidadão é muito importante. A escrita abriu as portas do
conhecimento para o ser humano, mas ela não é o ponto final. O momento é de
evolução para novas técnicas de adaptação dessa arte. O livro e o texto não são
mais as únicas formas de educar que existem. É possível ensinar e aprender por
meio do audiovisual, inclusive garantindo um melhor aprofundamento do assunto,
melhor aproveitamento de tempo e maior facilidade de compreensão por parte do
aluno.
Adicionamos a isso uma nova geração de crianças e adolescentes que já
nascem imersos em um mundo movido pela tecnologia e que tem acesso a qualquer
tipo e qualquer forma de informação com um click e temos um reforço ainda maior
sobre essa questão.
Se no século XX ensinar e transmitir conteúdo por meio da leitura de
textos já era algo nada prazeroso para os que frequentavam as aulas, imaginamos
esse mesmo método agora, em uma aurora de século XXI com um público totalmente
imerso em uma era digital.
Atualmente vivemos um momento - ou ao menos deveríamos - de plena
discussão sobre mudanças quanto a educação nacional promovidas pelo governo, e
acredito que o audiovisual teria total condição de ser inserido à formação dos
novos professores e, por consequência, ensinado no período escolar das
crianças. Não como ferramenta, mas como conteúdo.
O audiovisual representa hoje a cultura de um país, um poder de
expressão cada vez mais crescente, uma forma de manipulação muito perigosa, o
método mais enfático e direto de informar e manter-se informado, além da mais
moderna expressão de arte. Motivos não faltam para o tema ganhar a relevância
necessária e enfim permitir a próxima geração de ficar mais atenta as formas de
mídia que a atingem e o poder que elas dispõem.
Na maré
contrária
Em seu discurso de posse para o segundo mandato, a presidente Dilma
Rousseff foi enfática ao dizer que a educação será a “prioridade das
prioridades”, inclusive substituindo o antigo slogan do governo federal de
“País rico é país sem pobreza” para “Brasil, pátria educadora”. Depois de
difundir o ensino, o objetivo agora é qualificá-lo. Proposta digna, discurso
perfeito, mas que até o momento soa duvidoso. Em 2014, a própria presidente aprovou,
em 25 de junho, o Plano Nacional da Educação (PNE), proposta que define 20
metas para a educação brasileira para os próximos dez anos. A medida era a base
para a qualificação da educação no país. No entanto, o documento “Pátria
Educadora: A Qualificação do Ensino Básico como Obra de Construção Nacional”,
que visa por em prática o então slogan do governo, não tem o PNE como base, é o
que dizem especialistas do setor. Também no último mês, a educação foi um dos
ministérios que mais sofreu com os cortes do orçamento do governo, em virtude
do ajuste fiscal proposto pelo ministro da fazenda Joaquim Levy. A pasta sofreu
redução de R$ 9,42 bilhões.
Confusões a parte, parece que nem o PNE, nem o Pátria Educadora oferecem
soluções que evidenciem uma mudança radical na educação brasileira. Alias, a
educação no Brasil não precisa de um plano, precisa de uma reforma.
Dentre metas de extinção do analfabetismo, aumento do número de matrículas e
aumento da participação do PIB para a educação, ações que definitivamente mudariam
a situação atual vem sendo trabalhas como coadjuvantes. É o caso da escola em
tempo integral e a reforma da grade curricular, por exemplo. Em 2003 sociologia
e filosofia entraram como matérias obrigatórias para o ensino médio. É pouco e
não basta. Cidadania, política, sustentabilidade, devem ser ensinadas desde o
ensino fundamental e decorrer por todo o ensino médio. O aluno precisa aprender
a se situar no mundo em que vive, ter conhecimento de seus direitos e deveres,
ter noção dos valores que movem a sociedade de hoje, entender de
empreendedorismo e como ganhar na vida, ter a mente aberta para a arte e o
esporte e por fim, saber que nem tudo que ele vê na TV e na internet é verdade.
O poder de um meio de comunicação é gigantesco, e fica ainda maior caso
aplicado a um público que não tem consciência de como e porque vem sendo
submetido a estas informações. Casos como esses podem apresentar ruídos que
dificilmente serão modificados. As artes visuais já provaram sua eficiência
manipuladora ao longo dos anos. Como a gigantesca operação midiática que
acompanhava Hitler durante toda a 2ª Guerra, ou o way of life americano,
inserido nos filmes de Hollywood e que até hoje interfere no nosso modo de ver
e entender a vida.
Não indo muito longe, um raciocínio rápido sobre a novela das nove da
rede Globo mostra o quanto esse assunto merece ser discutido. Visto que o
folhetim vem apresentando dificuldades de audiência, os autores modificaram
todo o roteiro da novela, incluindo a arte e a trilha de abertura. A proposta
inicial foi totalmente deixada pra trás, ou seja, o que vale é o que gera
audiência, o método e o conteúdo é o de menos.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em 1996,
alguns princípios são definidos como base do ensino no Brasil. Dentre eles
consta: “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber”. Ao menos no papel, esses princípios estão
escritos e legalizados. Resta agora tomarmos consciência da importância desse
tema para uma melhor aculturação da nossa sociedade. Não acho correto um
currículo escolar com metade da grade voltada a matemática e ao português e nem
5% sobre a formação cidadã e política do aluno. Nem todos usarão báskara e o
valor de pi após o ensino médio, no entanto todos, sem exceção, terão que
crescer e conviver em uma mesma sociedade que historicamente não oferece as
mesmas condições a todos. É como começar o jogo sem conhecer as regras e ainda
perdendo de um a zero.
A iniciativa privada vem trazendo resultados fantásticos relacionados a
esse assunto. A fundação Lemman, do empresário Jorge Paulo Lemman, é um
exemplo. A instituição traz cursos online para os estudantes de escolas
públicas - em parceria com a Kahn Academy -, e cursos de profissionalização,
gestão em aprendizagem, além de bolsas de estudo internacionais para
professores, pesquisadores e lideranças da área. Detalhe, a grande maioria dos
cursos é gratuita. A Perestroika é uma iniciativa inovadora que incentiva a
profissionalização por meio de cursos voltados a ideia de economia criativa,
como “novas formas de pensar”, “empreendedorismo criativo” ou “tendências da
educação”. Eles também têm projetos paralelos, como o Scholé, que leva o perfil
institucional da Perestroika a instituições de ensino, por meio de palestras,
cursos, e até mesmo consultoria para mudança do modelo educacional ou
metodologia de ensino. Por fim, existe também o Iscola.cc, um aplicativo de
educação colaborativa onde você pode voluntariamente se candidatar a ensinar ou
a aprender. Simples assim!
É correta a preocupação do governo com os índices de analfabetismo e a
desistência escolar, por exemplo, mas os esforços não devem ser plenos para
essas áreas. Além de expandir, é necessário qualificar o ensino, e manter uma
metodologia datada em mais de cinquenta anos em uma época de ascendente
revolução digital/social não parece ser uma boa ideia. O termo analfabeto,
inclusive, talvez não tenha o mesmo peso que tinha décadas atrás. Chamamos de
analfabeto aquele que não sabe ler e escrever. Anos atrás surgiu o termo
analfabeto digital para aqueles que não tinham conhecimento de computação.
Penso que aquele que não interpreta imagens, vídeos e áudios também apresenta
certa forma de analfabetismo. Já passamos o tempo em que a maior mídia de massa
era a escrita, hoje a informação vem das mais diferentes formas, não faz
sentido continuarmos ensinando somente uma delas.
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