Resolvi filosofar sobre cinema!
Tirei três horas do feriado para
rever Magnólia. Em minha opinião, um dos mais belos filmes que já produzidos. O
filme é de 1999, tem a direção de Paul Thomas Anderson e um elenco cheio de
estrelas. É formado basicamente de histórias e diálogos. Na primeira vez que o
vi, o filme já me ganhou. Tanto que, na época, comprei uma fita VHS para tê-lo
em casa. Na verdade duas, pois os 168 minutos do longa não eram suficiente para
a tecnologia da época. Assim como toda a riqueza do filme não é possível de ser
captada assistindo apenas uma vez.
Dentre
suas dezenas de metáforas e reflexões, dois temas seguem sendo os que mais me
prendem atenção: perdão e arrependimento. Em Magnólia acompanhamos o desenrolar
de um dia na vida de seus nove protagonistas durante etapas difíceis que vem enfrentando.
Durante essas 24 horas muitos chegarão ao seu limite, ao estágio físico ou
psíquico máximo em que não podem mais suporta. Em outras palavras, acabam vendo
a derrota a sua frente e se entregam a ela, sem condições de seguir em frente.
Precedendo
a este clímax, acompanhamos dois discursos de arrependimento, dois quais pretendo
desenvolver neste texto. O primeiro é feito por Jimmy, que devido a um câncer,
descobre ter apenas dois meses de vida, e o segundo por Earl, hospitalizado em
casa, acompanhado 24 horas por enfermeiros e deitado sob uma cama que mais
parece um leito de morte. Os dois foram indivíduos bem sucedidos em suas vidas
profissionais, Jimmy astro da TV por 30 anos, Earl, empresário que aproveita
seus últimos dias em uma casa de luxo. Porém, nesse momento eles declaram sua
fraquezas, Jimmy leva consigo as olheiras de representar na tv alguém que não
é. O álcool, sempre ingerido antes de uma entrada ao vivo, é a máscara para
esconder seu desconsolo com a vida. Mais que isso, para esconder mágoas,
tristezas e a culpa pela dependência de cocaína de sua filha.
Jimmy
releva seus medos e segredos, mas não os admite. Talvez ainda buscando uma
máscara para ocultar uma realidade crua. Essa atitude faz sua mulher abandoná-lo.
Jimmy fica sozinho. Enfim ele pode se desmascarar, e encontra uma única solução
para curar sua culpa, o suicídio.
Da
mesma forma está Earl, a casa grande e com piscina é pálida, fria e de hora a
outra acometida por altos latidos dos quatro cachorros que seu enfermeiro
Phill, tem consigo por onde anda. Talvez uma saída para não entrar no clima confabulado
na casa, uma proteção que o deixa imune aos atos falhos daqueles que por lá
vivem.
Earl
se lamenta, recorda seu passado, confessa seus erros e ensina Phill a “nunca
abrir mão de seu amor”, este, segundo o próprio Earl, o que o mais lhe aflige. O
discurso de Earl emociona, faz nos questionar o que é viver uma vida boa, ou qual
seu verdadeiro propósito! O arrependimento de Earl parece soar em vão, ele
troca seu pesar com Phill, o enfermeiro, que que a esta altura, é o que tem de
mais próximo. Phill tem por sobrenome Pharma, e é o único entre os nove
personagens do qual não sabemos sua história, o que faz pensar na simbologia
que ele tem para o longa (talvez por não ter um passado ele seja o único que
não possui arrependimento, culpa?). Diferente de Jimmy, Earl confessa sua
culpa, se arrepende, eis o perdão. Mas este perdão, vindo já no leito de morte,
tem sua validade justificada? Faz pensar no porque de Jimmy ainda não ter
encontrado seu perdão: ele descobriu há pouco tempo sua doença. Com ela, e
apenas a partir dela ele tratou de rever suas falhas, porém, ainda sem a
coragem para confessá-las.
O
discurso de Earl tem sequência com uma musica. Wise Up, de Aimme Mann, que é
cantada por todos os protagonistas da trama que vivem naquele momento situações
parecidas. Todos refletem sobre o ponto aonde chegaram enquanto cantam trechos
como “isso nunca vai acabar, se você não aceitar”.
A
impressão é que a dor de um é compartilhada por todos. Nenhum deles está feliz
com o rumo que sua vida tomou, ou ao ponto que ela chegou. Estão em momentos
decisivos e prontos pra fazer escolhas, sejam elas certas ou erradas. Durante
essa parte do filme, chove.
A
chuva no cinema tem uma simbologia muito forte. Em muitos casos ela é traduzida
como um momento de purificação, de renovação, mudança de espírito. Durante todo
o filme, somos acometidos por “previsões do tempo”, que podem servir como
termômetros para o grau de instabilidade que os protagonistas vêm enfrentando.
Até que enfim a chuva chega. Perdão e arrependimento não existem mais. Todos
são escravos de suas vidas. Vida esta que não é mágica, construída ao acaso.
Não existem coincidências, e as nossas atitudes e escolhas é que nos levam ao
futuro que teremos.
Nossos
personagens chegam a um estágio em que uma simples chuva é incapaz de provocar
neles as mudanças necessárias para se reencontrarem. Todos estão fracassados,
arrependidos e entregues. É necessário uma intervenção, algo fora do comum (ou
não?), profético, para fazê-los rever seus conceitos. E essa intervenção chega,
anunciada desde seu prelúdio para efim, “wise up/aceitar/entender/se tocar”.
A
chuva sobrenatural faz o destino de todos serem alterados! Por ela, Cláudia e a
mãe se reencontram, por ela Donnie vê se obrigado a utilizar o aparelho nos
dentes que fará bem a sua auto estima, por ela Frank toma a decisão de rever
seu pai e é ela que interfere Jimmy no momento do suicídio. O tiro que era para
acertar sua cabeça, acaba acertando uma televisão, metáfora magnífica mostrando
o que seria destruído e quem deveria ter sido desligado primeiro. E Earl, com o
barulho da chuva, dá seu último suspiro!
A
questão que fica então é obvia: se a chuva não ocorresse, a trajetória de suas
vidas seria alterada da mesma forma? Que rumo elas tomariam, ou melhor, por que
precisamos de acontecimentos sobrenaturais para mudar de direção? Penso comigo
que vivemos nossas vidas esperando o acaso interferir, talvez por medo ou falta
de coragem, deixar ele agir por nós é não encarar a vida de frente. Até podemos
seguir com esse pensamento, a vida se desenhará da mesma forma, nunca teremos a
chance de saber como seria se tivesse feito isso, e não aquilo. Mas deixar o
acaso falar mais alto é ser aceitar uma viagem estando no banco do carona. O
destino final pode até ser bom, mas acompanhado a ele podem estar o
arrependimento e a culpa. Companheiros dispensáveis para qualquer um! Wise up!
Magnólia é um filme difícil, impossível de se
entender por completo na primeira, segunda ou terceira vez em que é assisto. E
é por isso que é tão especial e é por isso também que o cinema tanto fascina,
não importa quantas vezes você assista a um filme, você sempre vai tirar dele
uma mensagem diferente, basta analisar. Cinema é vida, cinema é arte!
Abaixo, duas cenas:
O desabafo de Earl,
e a cena/clip do elenco cantando Wise Up
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