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A humanidade é desumana


Fazia tempo que queria escrever um texto que falasse sobre humanos. Para mim é um tema recorrente. Tão recorrente que, há muito tempo, cheguei a criar um pensamento filosófico (bem piegas) falando sobre isso. O nome era “humanismo” escrevia sobre a forma como o mundo é mundo, como chegamos onde estamos e o custo (material e pessoal), que custo para chegarmos a “civilização moderna”.
                Tentei criar um pensamento regressivo, onde todos agissem como pensassem, abdicassem de males como a ganância e a ambição e partirem de encontro à humildade e o cooperativismo. Utopia pura! Mas na minha cabeça inocente acreditava que sim, era possível reescrever um pouco da história. Ora, não é só de males que vive o mundo. Ainda acredito profundamente que existem pessoas de bem, que lutam por um mundo melhor e veem isso, não como forma de status ou “boa ação” (expressão incoerente e falsa essa “boa ação”).
                O problema de toda essa minha ideia maluca é quando uma pessoa encontra outra, e mais outra, e mais outra. O ser humano indivíduo em si, é um ser bom, preocupado, caridoso, honesto. Já o ser humano coletivo, descaracteriza todos os adjetivos acima citados e pior, os transforma em malefícios, usando-os contra os outros.
                Por conclusão, entendi que o ser humano em si é uma idealização do próprio ser humano. Somos a raça predominante, inigualável, que controla tudo e todos nesse espaço de terra perdido no universo. Porém nunca fomos de vez, humanos, apenas seres. Seres que lutam (literalmente) para sobreviver, que abdicam de valores e dignidade por status, prestígio, reverências.
                Também não acredito que os humanos não existam. Existem! Mas são minoria. E uma minoria corrompida, obrigada a se maquiar de seres para que, por meio deles, consigam arquitetar seus ideias e dilemas. O mundo já viu muitos desses passarem por essa fração de vida. E do mesmo modo que passam, vão consigo seus pensamentos e soluções.
                É certo dizer que vivemos uma era conturbada de nossa existência. Estudiosos dizem que estamos acompanhando a revolução digital, que nunca a humanidade viveu tão bem e teve condições tão favoráveis para viver uma vida de prazeres! Concordo. Mas a questão é: para quem e a que custo. Esses dias correu pelos noticiários do país o boato de que o Bolsa Família, auxilio oferecido pelo governo federal a famílias de baixa renda, seria extinguido. A consequência foi que milhares de beneficiados lotaram as agências da Caixa Econômica Federal para se informar sobre o ocorrido e garantir sua fatura mensal. Até aí tudo bem! O que me assusta foi a repercussão que o assunto teve na internet, nos noticiários, em depoimentos, conversas, grupos de discussão, etc. Comentários aos montes de que o programa só serve para garantir votos, que os cidadãos que recebem não precisam trabalhar, que o governo oferece tudo, entre outros.
                É assustador! Concordo em parte de que muitos se beneficiam desta ajuda e se “acomodam” no lugar onde estão. Concordo que o Bolsa Família não é um programa que levará desenvolvimento para esses lares e concordo também que novas regras deveria existir incentivando os beneficiários a procurar emprego sob o risco de perder estes valores.
                Acontece que não é nossa obrigação cobrar de quem mora em barraco de zinco, tem duas panelas na cozinha, um par de chinelos para o ano motivação, empenho e vontade para acordar cedo e dizer “hoje eu vou mudar de vida”. Existe um abismo entre a vida de quem lê esse texto (que provavelmente conta com internet e computador em casa), de quem dorme ouvindo tiros ou pensando em qual vai ser o “almoço” do dia seguinte.
                É assustador que a empatia por essas pessoas acabou! Favelado é bandido, nordestino é preguiçoso e índio é vadio. Esqueceram de dizer que todos eles também são humanos, tem fome, sede e que nenhum deles escolheu essa vida para viver.
                É por isso que as famílias lotaram as agências da Caixa, para receber a esmola do governo, da qual nós, classe baixa, média, alta, reclama em ceder. Quem sabe trocamos os papéis, começamos do zero do novo, você conseguiria se reerguer e alcançar o nível social que tem hoje? Aposto que sim! Mas vamos mais a fundo, que tal tirar a sua educação, sua cultura, seu conhecimento empírico e tuas influências! Ainda tem coragem?
                É claro que o mundo evoluiu! O telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor fizeram a diferença e hoje podemos nos dar ao luxo de curar doenças com pílulas e reviver uma pessoa com o coração de outra. É fabuloso! Pena que para evoluir dessa maneira, tivemos que esquecer metade dos nossos humanos no caminho, dos quais pagam por nossa “modernidade” e recebem em troca uma esmola do governo, nosso desprezo e preconceito.
                Não vejo que esse texto seja um olhar pessimista sobre o mundo. Não culpo o capitalismo e nem agito uma bandeira vermelha com uma foice e um martelo. A questão é que às vezes nos tornamos tão cegos sob tudo o que temos a nossa volta, que esquecemos que existe um mundo inteiro convivendo conosco.
                Não deixei minha filosofia do Humanismo de lado, ainda penso nela timidamente, talvez ideias como a dela façam dos seres humanos menos seres e mais humanos! Talvez!

    




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