As Olimpíadas de Paris se encerraram neste último domingo, proporcionando um espetáculo marcado pela beleza e pelo encanto das paisagens de uma cidade rica em história, mas também suscitando diversas questões sobre sua organização e execução. No campo da propaganda e marketing, algumas ações despertaram reflexões importantes, especialmente no que diz respeito ao merchandising e product placement. O evento trouxe exemplos notáveis, mas também alguns que, ao meu ver, cruzaram os limites da propaganda.
LVMH (Louis Vuitton)
A holding LVMH, proprietária da marca de luxo Louis Vuitton, entre outras, investiu fortemente em Paris. Estima-se que tenham sido aplicados 150 milhões de euros (cerca de 1 bilhão de reais) em ações relacionadas às Olimpíadas. Os maiores destaques foram a confecção das medalhas pela relojoaria Chaumet, do grupo, o uniforme da equipe francesa na cerimônia de abertura, produzido pela marca Berluti, e as bandejas das medalhas, elaboradas pela própria Louis Vuitton. Essas colaborações geraram visibilidade natural devido ao caráter noticioso e à presença em momentos icônicos dos jogos.
O ponto que corrói essa boa construção é o espaço que a marca recebeu durante a cerimônia de abertura. Na ocasião, minutos de um momento que é marcante para a história do esporte e do país, foram utilizados para uma clara propaganda da marca mostrando a confecção das bandejas e malas que carregavam as medalhas. Algo gratuito, que não conversou com a narrativa da cerimônia e, mesmo se conectada, conferiu a marca um protagonismo indevido, considerando o contexto.
Samsung
Outra marca que aproveitou muito bem o patrocínio dos jogos foi a Samsung. A empresa utilizou o product placement de forma exemplar, sem interferir em momentos históricos, e ainda os ampliou. Após a entrega das medalhas e a execução do hino, um dos atletas no pódio recebeu um Samsung modelo Z Flip e tirou uma selfie com os demais medalhistas. A ação foi natural, ocorrendo após o protocolo, em um momento apropriado para uma selfie. A Samsung compreendeu essa oportunidade e basicamente ofereceu o dispositivo para realizar o desejo dos atletas.
Importante lembrar também que todos os atletas olímpicos e paralímpicos receberam uma edição especial do Z Flip, que também serviu para impulsionar o produto globalmente e deixou nas mãos da multinacional a possibilidade de um lançamento da própria edição de maneira comercial.
Havaianas e Riachuelo
No cenário nacional, as críticas à Riachuelo e ao trabalho questionável na confecção dos uniformes para a cerimônia de abertura certamente serão lembradas e trarão lições valiosas. O mais básico é entender que não basta adquirir um patrocínio; é necessário compreender o contexto do evento para expressar a marca de forma eficaz e conectada com a realidade. Faltou, possivelmente, estudo e pesquisa à altura da grandeza e responsabilidade que o momento exige.
As Havaianas, por sua vez, também não aproveitaram bem as oportunidades. Como calçado oficial do time Brasil, a marca compôs o uniforme na cerimônia de abertura, mas, assim como a Riachuelo, não conseguiu alinhar a escolha com a formalidade organizada pela ocasião. Colocar chinelos nos pés dos atletas em um desfile, ainda mais dentro de um barco, onde nem sequer foram vistos, e em um dia de chuva, não se mostrou uma decisão acertada. Ainda mais grave foi a opção de fazer uma citação à marca durante a exibição da cerimônia pela Globo, interrompendo o desfile do barco do Brasil para mencionar que as Havaianas estavam ao lado do tempo. Algo forçado, que quebra o clima da transmissão e parece ser uma ação de última hora pelo fato dos pés dos atletas não aparecerem.
Transmissões e interrupções
Esta ação de Havaianas é um exemplo de algo que vem acontecendo com mais recorrência nas transmissões de entretenimento e de esportes. Interromper o conteúdo para falar de marcas vem se tornando hábito e acostumando mal o público. Antes de aprofundar é importante deixar claro que entretenimento só se faz com dinheiro e a grande parcela desse dinheiro vem das cotas de televisão que, consequentemente, só são altas porque são pagas por anunciantes. Então é óbvio, a propaganda é importante para o entretenimento, mas a propaganda também precisa entender seu próprio limite. Até onde deve estar presente e onde não é seu território.
Está chegando no Brasil a onda dos naming rights. Algo comum nos EUA e Europa e que parece ser um caminho sem volta. Ainda me soa estranho o tradicional Staple Center, em Los Angeles ser chamado agora (ou pelos próximos 20 anos), de Crypto.com Arena. Uma empresa que, assim como muitas outras, nem sabemos se existirá daqui a vinte anos. No Brasil temos os casos bizarros do Pacaembu se transformando em Mercado Livre Arena Pacaembu e do Morumbi se transformando em Morumbis. O Mercado Livre também teve a audácia de interferir no jogo, quando criou a forçada ação do gandula eletrônico, que entrega automaticamente a bola para o cobrador de escanteio durante uma partida de futebol.
Quando mergulhamos nas transmissões esportivas, elas ganharam um novo patamar durante as Olimpíadas. O que antes se limitava a chamadas sonoras dos narradores e o logo da empresa aparecendo no canto da tela, há algum tempo teve a tela dividida por uma propaganda em vídeo que disputava espaço com o que era transmitido. A emissora tinha o cuidado de inserir esse anúncio em momentos menos importantes da partida. Agora, essa tela incansavelmente é exibida, e calculada para estar visível justamente nos principais momentos.
A justificativa de que por ser uma transmissão gratuita o espectador não pode reclamar já não conta mais. Os canais pagos já aderiram ao formato. Os assinantes da versão premium do Spotify já não estão mais livres de anúncios. Se a versão gratuita já é impossível de ser ouvida diante de tantas intervenções, a versão paga também está inserindo chamadas no meio e nos intervalos de podcasts. Demais streamings também já vem embarcando nessa onda.
Quando falamos de product placement em novelas, filmes e séries,a situação parece ainda mais crítica. Principalmente se tratando dos principais títulos comerciais. Todas as séries e filmes produzidos pela Apple TV+ possuem inserções de seus produtos nas produções. Em seu mundo, todos usam Iphone. Quando isto é feito de maneira imperceptível e inserido dentro de uma cena necessária para a história, está tudo bem. O problema é que esse bom senso já foi ultrapassado há algum tempo. Hoje, é mais fácil um roteiro ser modificado para substituir uma conversa presencial para uma conversa por telefone, para ter o produto inserido na história. O público na sala não percebe, mas a história, invariavelmente, perde força.
Tudo isso é feito para equilibrar as contas das plataformas, mas do lado do anunciante surge a pergunta: vale a pena? Tendências de marketing indicam que estamos (ou estávamos) saindo da era da interrupção e entrando na era do conteúdo, onde marcas deixam de interromper e criam seus próprios conteúdos. A Red Bull talvez seja o exemplo global que melhor utiliza essa tática. Com times de futebol, equipes de fórmula 1 e muitos esportes radicais com seu nome. No Brasil, a RD Station criou um evento tão reconhecido que talvez seja mais famoso que a própria empresa.
O que parece estar acontecendo é que vivenciamos a era do conteúdo interrompido. Sabemos que produzir conteúdo independente e próprio é caro, e o caminho mais fácil é estar dentro de projetos já existentes. E globalmente, dificilmente algum conteúdo desbanque as Olimpíadas. As inserções de marcas e propagandas em Paris pareceram abrir a porta para que marcas utilizem mais de product placements e merchandising, e isso preocupa. Existem lugares onde as marcas não precisam estar. Naming Rights é um deles. Isto só desvaloriza o próprio produto. O maior torneio de futebol da América percebeu e voltou atrás (ou não encontrou ninguém que pague o valor solicitado), a antiga Conmebol Santander Libertadores é apenas Conmebol Libertadores. Acredito que em 2028 ainda tenhamos uma garantia que os Jogos Olímpicos se chamem apenas Jogos Olímpicos, mas não posso deixar de duvidar que venham a ser chamados de Jogos Olímpicos Coca-Cola 2028. Espero e torço que não.
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