Como o esporte de alta performance inspira o nosso dia-a-dia, e como essa inspiração é romantizada e pode fazer muito mal.
O esporte sempre foi uma grande representação de sucesso. Normalmente, quando pensamos nessa palavra, surgem imagens de um pódio, uma medalha de ouro, o topo de uma montanha ou um troféu. Ser o primeiro em algo ainda fascina e encanta. As Olimpíadas que se aproximam talvez sejam a maior representação desse auge. É o local onde os esforços serão recompensados e todo o trabalho terá valido a pena.
Vale lembrar que, na última edição, em 2021, em Tóquio, foram cerca de 11 mil participantes e 1.800 medalhas entregues. Ou seja, apenas 16% dos participantes receberam medalhas, considerando que ninguém recebeu mais de uma medalha, o que não é o caso. Fazendo uma média (com o apoio do ChatGPT), essa porcentagem reduz para 12%.
Ou seja, o topo mesmo, o auge, é para muito poucos. Ter esses atletas de alta performance como inspiração para nossa vida é muito bom. O esporte faz isso: coloca pessoas em um Olimpo e as torna inspiração para os mortais que as admiram. O que me parece preocupante é romantizar toda essa jornada, que é dura e repleta de sacrifícios. Exige conviver com pressões físicas e emocionais até um limite que o corpo dificilmente suporta. Lesões e crises são algo rotineiro.
Quando isso é uma escolha tomada racionalmente, entendendo os prós e contras, está tudo bem. O que preocupa é que, baseados nessas histórias realmente inspiradoras, traduzimos a ideia de que, para alcançar o tão desejado sucesso, é necessário também sacrificar a nossa vida. E isso não é bem assim.
Recentemente, assisti ao documentário O Peso do Ouro, estrelado e produzido por Michael Phelps (talvez o maior atleta de todos os tempos), que revela o lado obscuro e pouco falado dos atletas de elite. Entre vários fatores, a saúde mental se destaca, traduzida por sentimentos de isolamento, depressão e até tentativas de suicídio. Tudo isso em um mundo onde, até pouco tempo, falar sobre saúde mental era visto como sinônimo de fraqueza e carregava grandes estigmas.
Percebo que, nos últimos anos, esse tema vem ganhando visibilidade e sendo lentamente entendido. Nas últimas Olimpíadas, vimos o caso de Simone Biles, que optou por respeitar sua saúde mental e desistiu dos Jogos (um documentário sobre ela está disponível na Netflix atualmente). Naomi Osaka também abriu mão de grandes torneios em seu auge ao assumir que sofre de depressão. André Agassi, em sua biografia, confessou odiar jogar tênis. Durante a Eurocopa e a Copa América, em um intervalo de uma semana, vimos Messi e Cristiano Ronaldo chorando em frente às câmeras por motivos diferentes, mas talvez também por uma liberdade de vulnerabilidade que, anos atrás, não seria bem vista.
Lewis Hamilton também chorou ao vencer o último GP da Inglaterra, depois de mais de dois anos sem vitórias. O piloto que mais ganhou corridas na história da Fórmula 1 se emocionou ao conquistar mais uma. Sua entrevista pós-corrida, na qual explicou que não se sentia bom o suficiente, é realmente impactante.
Biles, Osaka, Agassi, Messi, Ronaldo, Hamilton — todos são exemplos do mais alto nível de performance em seus respectivos esportes. Qualquer comparação com a nossa rotina é, no mínimo, desproporcional. E, mesmo assim, percebemos que até para eles, há momentos de necessária vulnerabilidade e de pausa.
O meu ponto é: alta performance é uma escolha. E alta performance para o nosso dia a dia, de pessoas normais, não precisa necessariamente estar atrelada a sacrifícios extremos, nem ser uma justificativa para exploração, normalização do uso de antidepressivos e pressões desproporcionais. É possível entregar trabalhos sensacionais sem ficar preso a uma rotina desgastante. É possível ser parte de um time campeão sem sofrer rotineiramente de ansiedade. Uma escolha não precisa ser refém da outra.
Dá para ser um excelente profissional, se destacar e ganhar espaço sem passar por burnout. E dá para inspirar as pessoas dessa maneira. Dá para criar times de sucesso nessa abordagem. E, inclusive, criar um diferencial de mercado dessa forma.
E existem meios para isso: planejamento, antecipação de cenários, comunicação assertiva, foco e atenção, comprometimento e responsabilidade, fluxos e processos respeitados, metas viáveis, lideranças humanizadas, evitar retrabalhos, apoio tecnológico e mental, e cumplicidade.
Infelizmente, não há uma receita de bolo. É necessário ajustar a mistura conforme o contexto. Mas é possível. É um caminho difícil e, de certa forma, perigoso dependendo de onde é aplicado. No entanto, é sustentável, faz bem, ajuda e cria legado.
Durante este texto, tive muito cuidado para não usar a palavra "equilíbrio", para evitar a resposta óbvia. A verdade é que o equilíbrio, embora deveria sempre ser buscado, é praticamente impossível de manter de forma constante. Haverá períodos mais pesados, e nem sempre a caminhada seguirá no ritmo que projetamos. Faz parte do jogo e do mundo caótico em que vivemos.
É importante dizer que aceitar trabalhar por alta performance é aceitar manter a régua alta, buscar resultados e dedicar um empenho sempre acima do proposto. Mas tão importante quanto a alta-performance é ter a palavra sustentável ligada em sequência. Tanto sob a ótica de mercado, em manter essa alta-performance ativa, quanto pelo respeito e cuidado com aqueles que estão dispostos a assumir esse caminho.
Há estudos suficientes que comprovam que um bom clima organizacional, um time trabalhando coletivamente, uma rotina de feedbacks claros e transparentes e lideranças conscientes de seu papel contribuem para melhores números e resultados. Como tudo na vida, é uma escolha. E entre tantas escolhas que fazemos diariamente, esta me parece ser uma das mais óbvias.
Comentários
Postar um comentário