Foi exatamente isso que a Fiat acabou de fazer. A marca deixou de produzir carros de cor cinza na Itália, a terceira cor mais vendida do país. O anúncio, à primeira vista contraintuitivo, sinaliza um movimento ousado, porém calculado da montadora.
Segundo dados da BASF, as cores de veículos leves mais vendidas mundialmente em 2022 foram o branco (39%), o preto (18%), o cinza (16%) e o prata (8%). Esse quadro é parecido nos últimos 20 anos, revelando uma preferência do consumidor por tons neutros. O resultado disso pode ser visto nas ruas. O predomínio dos carros neutros é notável.
Vários fatores explicam esse predomínio, que vão desde custo de produção mais barato a facilidade de revenda. Para as montadoras, também tornou-se uma decisão segura, pois novas cores não deixariam de se mostrar uma aposta.
Todo esse cenário já mostra um pouco da ousadia da Fiat. Assim como no resto do mundo, na Itália as três cores mais vendidas são: branco, preto e cinza, respectivamente. O que dá ainda mais impacto a frase “O mundo não precisa de mais um carro cinza”, dita por Olivier François, CMO da Stellantis, no anúncio oficial do novo Fiat 600c. Veja abaixo:
A Fiat é uma marca italiana, e a Itália tem dentro de sua cultura e seus cenários, cores e expressões vibrantes. Podemos dizer que esse colorido faz parte do branding do país, que a montadora, por sua vez, também busca adotar. “A Itália é o país das cores e, a partir de hoje, os carros da Fiat também”, afirma François.
Dois pontos importantes, apesar de não deixar claro, a mudança se dá apenas para carros dentro da Itália, no restante do mundo a cor segue sendo oferecida. Inclusive, o próprio site italiano da marca já apresenta tons coloridos, diferente do brasileiro, por exemplo. E isso também tem justificativa.
Diferente das cores escuras e fortes do site brasileiro.
Desde 2021, a Fiat faz parte do grupo Stellantis, um conglomerado de mais de vinte montadoras de carros, entre elas Peugeot, Citroën e Jeep. A criação da Stellantis gerou o quarto maior grupo automobilístico do mundo e aproximou marcas que até então eram concorrentes. Fiat, Citroën, Peugeot e Opel disputam um mesmo mercado na Europa, e o movimento da Fiat vai justamente na busca de um nicho de mercado mais específico e um posicionamento mais claro. Aí entram as cores, a alegria e a vibração da Itália. Tirar o cinza do portfólio, sim, é uma atitude arriscada, porém calculada, e que conversa com o discurso da marca e também do grupo ao qual ela faz parte.
Comparação do site da Fiat, com o da Peugeot. Mesmo grupo, porém com propostas de posicionamento bem diferentes.
Perceba que a mesma estratégia faz sentido para o contexto global da marca. Na Europa, por exemplo, de acordo com a Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis, a Fiat possui “apenas” 4,9% do mercado e é a 10º marca mais vendida. Muito diferente do contexto brasileiro, onde a marca é vice-líder com 15,49% de participação, segundo a Fenabrave.
Porém é na própria Itália que se revela a ousadia da ação. A marca é líder de mercado com participação de 13,7%. Jeep é a segunda marca da Stellantis mais bem posicionada em 7º, Citroën em 9 fecham o top 10. É sem dúvida um movimento global, que usa da força da marca dentro do país de origem para propor essa transgressão. A provocação faz sentido, conversa com o discurso da marca e vai de encontro com o que ela propõe. Resta saber se os italianos vão comprar o discurso e os números vão confirmar esse direcionamento.
Entendo que o branding deve fazer parte do conjunto de direcionadores de uma empresa, junto com a cultura e seu modelo de negócios. Unir essas três frentes dentro de um único direcionamento entrega às empresas assertividade e confiança em suas tomadas de decisão. Patagônia, Heineken, Natura, Nike, Toyota e Red Bull são exemplos de como a combinação desses três fatores funciona tão bem em suas estratégias. Se a Fiat internamente absorve e conversa bem esses três fatores, ainda não sabemos, mas o resultado dessa ação pode ser uma ótima prova.
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