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Como o marketing reinventou a Fórmula 1

 Dar destaque aos pilotos, se abrir para novas plataformas e expor seus bastidores foram alguns dos caminhos que a F1 usou para recuperar seu brilho

Se você encontrasse qualquer amante da Fórmula 1 há alguns anos atrás ouviria as mesmas frases: “O campeonato não é mais o mesmo”; “Depois de Senna perdeu a graça”; “Cadê as ultrapassagens?”. É fato que os anos 80 e 90 são considerados seguem considerados os anos de ouro da F1, protagonizado pelas disputas entre Senna, Piquet, Prost e Mansell. De lá para cá, a maior competição do automobilismo do mundo nunca deixou de ser lucrativa e se tornou cada vez mais milionária. Mas perdeu um pouco do seu brilho. 

Alguns dos motivos que levaram a isso foi o destaque que as equipes e os carros começaram a ter a partir dos anos 2000, principalmente com a supremacia da Ferrari de Michael Schumacher. Quando o alemão se aposentou, encontramos um campeonato extremamente tático e tecnológico e dominado por uma ou duas escuderias. As ultrapassagens se tornavam cada vez mais raras e era comum ver quem largava na frente, ganhar de “ponta a ponta”. A F1 percebeu isso e reviu algumas práticas que mudaram as regras do jogo e também as do mercado ainda está inserida: o entretenimento.

Na verdade não foi bem a F1, mas a Liberty Media, grupo de comunicação americano que desde 2017 administra a modalidade que vem trazendo importantes e cruciais mudanças que prometem transformar seus 50 anos de história. A base disso tudo? Marketing puro:


Adaptando o produto a um novo mercado:

Se no futebol, o momento mais esperado é o gol, no automobilismo é a ultrapassagem. E com o domínio das principais escuderias, elas estavam cada vez mais raras de acontecer. A FIA (órgão organizador da Fórmula 1) então agiu, e baseada nas ligas de esporte americanas, como a NBA e NFL, buscou trazer mais igualdade para a competição. Apesar de ainda estar longe de uma disputa aberta (o domínio da Mercedes, por méritos próprios, ainda é enorme), é notável que as demais equipes apresentam um grau de disputa bem maior.


Pilotos acima de equipes:

A F1 demorou um pouco para perceber a fórmula mágica que fez a NBA se tornar uma das maiores ligas do mundo: não são os times que trazem audiência, são os ídolos. Se assistirmos a qualquer corrida de Fórmula 1 antes de 2015, nós veríamos o rosto do piloto em apenas uma oportunidade: no pódio. Ou seja, de 20 ou 22 pilotos do grid, conheceríamos apenas 3. 

A temporada 2019 foi a primeira a colocar os pilotos na abertura das corridas. Eles aparecem de corpo inteiro no grid de largada e em todos os gráficos durante a corrida. Entrevistas são obrigatórias antes e depois da corrida e dos treinos. E eles sempre vão de encontro aos repórteres, mesmo irritados após saírem da corrida em virtude de um acidente. Até mesmo os rádios entre piloto e equipe ficaram mais fáceis de ouvir e aparecem muito mais vezes durante uma transmissão. Isso trás carisma e empatia ao público, que se vê permitido agora a escolher para qual daqueles humanos (e não carros) ele pode torcer.


Pessoas acima de pilotos:

E se durante os finais de semana de corrida a atenção está no desempenho dos pilotos. Nos demais dias é a personalidade e o carisma deles que dá o tom. O atual campeão mundial é um caso à parte, uma vez que a marca Lewis Hamilton já ultrapassa as fronteiras da Fórmula 1 e ganha protagonismo sozinha. Assunto para outro texto. Mas os demais pilotos vêm construindo sua legião de fãs, muito baseado em suas personalidades e nacionalidade. Max Verstappen, Daniel Riccardo e Charles Leclerc, por exemplo, possuem cada um mais de 3,5 milhões de seguidores no Instagram. Cada um em seu estilo e jeito interagem com aqueles que os acompanham, mesmo se trocarem de equipe. Todos muito bem assessorados e com a prancheta de media trainning decorada, vem fazendo ótimos trabalhos de personal brand. 

O caso mais curioso talvez seja do novato Lando Norris, piloto da McLaren que apenas em seu segundo ano de F1 e com apenas 20 anos já possui 2 milhões de seguidores e é uma sensação entre crianças e adolescentes na Inglaterra, seu país de origem. Ele aproveita bem disso, e usa as redes para entregar uma mistura de profissionalismo com muito humor e memes. Durante as corridas, vem personalizando seus capacetes com os desenhos que crianças enviam para ele.

O exemplo desse sucesso é que todos os nomes citados acima possuem mais seguidores que o tetracampeão Sebastian Vettel e o companheiro de Hamilton, Valteri Bottas (na F1 desde 2013). Sinal que nem todos se adaptam a essa nova forma de fazer negócios.


Redes sociais em sua essência:

A corrida não acaba mais no domingo. Em temporadas comuns (2020 não é o caso) as corridas sempre acontecem, em média, de duas em duas semanas, o deixa o fã carente de conteúdo durante esse período. Não é mais o caso. A F1 encontrou na internet a melhor forma de se aproximar e entregar conteúdo aos fãs.

O canal do Youtube deles possui 4 milhões de assinantes. O Instagram 10 milhões. Mesmo número do Facebook. Twitter, 4 e Tiktok 1 milhão. Todos abastecidos com conteúdo que entrega, desde os “highlights” da corrida, até bastidores e resgates históricos fantásticos.


Investimento em conteúdo:

Além de repercutir as corridas, a F1 também se preocupa, corretamente, com sua história, e produz muito conteúdo valorizando seu passado e despertando a nostalgia do fã. Os vídeos dos atuais pilotos de F1 assistindo as corridas de Prost, Senna e Piquet viralizaram rapidamente na internet.

Essa estratégia, inclusive, vem sendo utilizada também pelas equipes, que em seus canais digitais vem apostando em conteúdo exclusivo, principalmente envolvendo seus pilotos. Sendo que os posts de motores e carros vem cada vez mais dando espaço para o rosto dos pilotos.



Mergulho no mundo do entretenimento

A essência da Fórmula 1 é entretenimento e a paixão por automobilismo, e sobre essa lógica, tudo o que envolva essas duas frente, pode se transformar em produto e claro, aumentar os lucros. 

Há alguns anos a F1 já investia em games, com o F1 Championship, que melhora a cada ano. Paralelo a ele surgiu um game de fantasy e um canal no Twitch, que transmite os jogos do F1 e já conta com mais de 100 mil seguidores. Todos licenciados, que geram retorno financeiro a F1 e, principalmente, novos apaixonados pelo esporte.

E em 2019 surgiu F1: Drive to Survive, série da Netflix que prometeu acompanhar toda a temporada anterior do campeonato. O curioso é que a série pouco se importou com a disputa dos pilotos e as corridas em si. O foco de todos os episódios foram os bastidores e o por trás das câmeras e teve como protagonistas, além dos pilotos, os chefes de equipes.


Novo logo e novo posicionamento

2018 também foi o ano da nova marca da F1, modificada depois de longos 24 anos. A F1 também ganhou uma trilha sonora exclusiva, que toca a cada início e final de corrida, protocolos formalizados para entrevistas e pódios e até slogan “we race as one”. A revitalização da marca é apenas um detalhe, mas que serve para exemplificar todas as demais mudanças citadas e que representam essa nova Fórmula 1. 

Mas entre todos esses detalhes citados, talvez a principal modificação seja no posicionamento diante de causas que nada tem a ver com automobilismo. A atípica temporada de 2020 entregou um dos protocolos mais rígidos em prevenção ao coronavirus e manifestações institucionais em defesa a igualdade racional e ao movimento Black Lives Matter. Novos tempos trazem novas formas de adaptação ao negócio e a sociedade. E a Fórmula 1 vem traçando muito bem sua evolução.





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