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A lógica de marketing por trás da briga entre XP e Itaú


A intenção aqui não é analisar os interesses das empresas por trás das peças de propaganda, mas a forma e o posicionamento de ambas diante de uma estratégia de ataque, e que acaba revelando muito da sua cultura e valores.


Antes de tudo é importante deixar claro duas informações: a primeira é que o Itaú tem 49% de participação da XP, o que em primeira análise leva a gerar especulações sobre um possível jogo de interesses ambíguo e de uma estratégia combinada. E a segunda, é que a propaganda que desencadeou tudo isso foi do Itaú Personnalité, que apesar de ser uma submarca do Itaú, tem público e comunicação totalmente diferentes da marca mãe.



Devido à grande participação do Itaú na XP, é bem plausível que a corretora sabia sobre a estratégia de comunicação e de quando seria veiculada. Mas isso não deixa de ser pura especulação. O que acredito é que não houve interferência entre as gestões, e ambos vem jogando com as peças que tem.


Sobre o histórico das marcas:

A marca Personnalité existe há 25 anos, porém em 2017 ela reinventou, justamente para competir com o crescimento das corretoras no país (capitaneado pela XP), inserindo em seu portfólio a corretagem e abrindo seu leque de investimentos para opções de outros bancos. A intenção da marca com o então chamado “Investimento 360”, era oferecer o melhor dos dois mundos: um serviço private de banco com os investimentos e assessoria de uma corretora.


A estratégia estava clara, o novo posicionamento gerou uma comunicação mais direta, uma marca mais competitiva e por sua nova característica de marketplace de investimentos, um novo rival no mercado, a própria XP (que seria comprada pelo Itaú meses depois).
Do outro lado a XP, no embalo dos bancos digitais, vem ano após ano quebrando grandes barreiras criadas pelo monopólio bancário do Brasil e capitaneando a entrada de uma grande legião de pessoas físicas ao mundo da renda variável. E sua comunicação segue esse estilo disruptivo e avesso ao tradicional e muito caracterizado por falar sem rodeios, com franqueza e pegando pesado com o estilo tradicional dos “bancões”, como eles mesmos intitulam (mesmo com um “bancão” de sócio). De 2019 para cá, a corretora também colocou a frente de sua comunicação seu próprio fundador e CEO, Guilherme Benchimol, que também não deixa de quebrar novos estereótipos.

Antes escondido, como características de tímido, introvertido e contido em aparições em eventos corporativos ou posts na internet, a imagem do CEO explodiu em pouco tempo. Ele foi o principal personagem durante o IPO da empresa na bolsa americana Nasdaq, lançou livro, mostrou a cara na primeira campanha institucional da marca em nível nacional e agora é possível vê-lo intencionalmente em qualquer interação na internet e na própria comunicação da XP. Benchimol é a representação da marca XP de forma institucional. E reflete nas suas falas, nas suas roupas (dando fim ao estereótipo de bancário de terno e gravata) e postura o que é e como a sua empresa pensa.

No site da corretora existe uma espaço de "Fale Conosco" adaptado a figura do CEO


Dado esse retrospecto, fica mais claro perceber que em algum momento esses dois mundos iriam colidir. E aqui é importante uma separação enorme do que suas peças querem transmitir para o que, de fato, as empresas fazem. Dissociação essa que infelizmente é muito comum, principalmente no mercado financeiro.


A jogada:

O Personnalité se posicionou conversando com seu público e aproveitando uma oportunidade de cenário em que a queda abrupta da bolsa em março, em virtude do coronavirus, gerou uma leva de investidores desapontados e receosos com o futuro de seus investimentos.

A surpresa foi a agressividade de peça comparada ao retrospecto da marca Personnalité, que possuía um caráter direto, mas sem entrar em muita polêmica. Os ataques aos assessores de investimento, apesar de representarem uma realidade, não foram bem vistos pelo mercado e não refletem o posicionamento dos últimos anos da marca. Isso sim, gera questionamentos. Poucas empresas cuidam tão bem da marca quanto o Itaú, e comprar uma briga que de certa forma fere seu posicionamento, não deixa de ser curioso e levar a questão o que está por trás disso.



Quanto a XP, ela simplesmente surfou a onda conforme sempre fez. Para o público da XP as ações de resposta a propaganda não causaram surpresa. A trajetória da marca já trazia um movimento de luta, sem formalismos e de fugir do tradicional.

E é claro, para ambas toda essa discussão e holofotes em torno das duas empresas era desejada. A disputa faz sentido porque cria um cenário de dualidade, como se apenas existissem os dois lados. Ou você é Itaú, ou XP, e ambas as peças conversam e agradam seus públicos. A primeira revelando verdades inconvenientes para a segunda, e a segunda atacando a hipocrisia da primeira.

E mesmo que para muitos isso represente uma pedra cantada, da mesma forma isso dá resultado. Apesar de hoje a XP ser uma gigante no cenário nacional (seu valor de mercado já é maior que BB, Santander e Caixa, por exemplo), ela ainda é desconhecida por grande parte da população, o que mostra o tamanho do mercado que é visto pela frente. E o Personnalité, que assim como todo o mercado de private banking, andava escondido, ganha uma sobrevida (a última grande campanha da marca foi em 2017, quando lançou o Investimento 360).

Para finalizar, apesar da ótima jogada das marcas, não tem nenhum santo nessa história. Os ataques apontados pelo Itaú são verdadeiros e a resposta da XP também. Mas é sempre importante lembrar que por trás das duas marcas existem um mesmo conselho. Transferir investimentos de um para outro fortalece ambos. É um jogo de ganha-ganha, com as duas empresas nos dois lados da corda.

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