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Vingadores Ultimato: sobre tempo, heroísmo e a importância do fim





*Texto com SPOILERS

O cinema cumpre várias funções como arte cinematográfica: retratar a realidade, construir sonhos, provocar, refletir ou apenas divertir. No entanto existe um objetivo que é único por trás de qualquer obra: emocionar as pessoas. E essa emoção só acontece quando existe alguma forma de envolvimento entre você e a representação que está assistindo.

Quando a Marvel lançou o primeiro filme do Homem de Ferro em 2008 e inaugurou seu universo ficcional no cinema, as emoções ficavam mais no caráter cômico da história e da fantasia de acompanhar a construção de um herói. Na verdade, essa lógica sempre acompanhou os demais filmes da produtora. Ao todo foram 22 filmes que em sua maioria introduziram novos heróis e histórias. A cada filme lançado entrávamos no mundo daquele personagem e ficávamos mais próximos deles. Toda essa construção levou onze anos, e é o peso de todos esses anos e de dezenas de personagens que este filme carregava nas costas.

Por isso, antes mesmo da primeira cena de Vingadores: Ultimato percebe-se que não teremos uma narrativa tradicional. A estrutura cinematográfica do filme é quebrada, tanto em seu início imediato, quando na “resolução” do problema logo nas primeiras cenas. Esse inclusive, é o principal acerto de Ultimato, o que faz com que refresquem em nossa memória os acontecimentos de Guerra Infinita (Avengers: Infinity War, 2018), e dão a ele uma proporção ainda mais. Isso porque a solução encontrada não surte efeito e os heróis perdem. Não há esperanças. E principalmente: há um salto temporal de cinco anos.




O tempo

Os cinco anos fazem que o drama dos protagonistas ganhe um peso até então nunca visto. A fotografia e o design de produção compõe um mundo vazio e em tons de cinza, representado também pelas atuações dos personagens. O clima é quebrado pelas clássicas piadas, que são eficientes, fazem rir, mas não destoam o sentido que a história toma.

Neste ponto, é fascinante ver como o desenvolver dos personagens se dá e como eles lidam com a derrota e com um mundo totalmente colapsado. Alguns seguem encorajando pessoas a seguir em frente, outros buscam formas alternativas de vingança, outros se negam a desistir e outros apenas aceitando o que é irreversível.

O tempo tem papel fundamental em todo o filme. Além de ser a forma encontrada para solucionar a história, é ele que faz com que nos depararemos com a humanidade e falhas de nossos heróis. E principalmente, é o tempo que proporciona toda a catarse emocional no último ato. E esse peso se mostra tão forte porque representa, não apenas a emoção construída das últimas horas vendo o filme, mas os últimos onze anos em que acompanhamos esses personagens. É por isso que Ultimato perpassa as fronteiras de um filme quando faz alusão a tantas histórias, heróis e universos que se unem em um único e derradeiro momento.

Para todos os que viveram essas duas décadas e foram assistir no cinema este filme, a emoção sem dúvidas, foi ainda maior, e provavelmente algo que será impossível de se repetir aos que a partir de agora busquem revisitar todas as obras anteriores. E é por isso que esse momento é tão especial, tão intenso, tão forte e tão difícil de se reproduzir. O tempo em três dimensões (o salto de cinco anos na história, o hiato entre Guerra infinita e Ultimato e os onze anos de universo Marvel), fizeram juntos uma das maiores cenas da história do cinema.




Heroísmo

A grande maioria dos filmes de super-heróis utilizam muito o conceito de heroísmo em sua trama. Fora as cenas de ação, as lutas e a jornada do herói como um todo, o fascínio e a mística em cima desse conceito de super-humano é uma das fortalezas desse gênero e algo que remete a nossas origens como espécie. E é nesse ponto que os principais players desse mercado se diferenciam. Enquanto a DC Comics trabalha no cinema com heróis invencíveis, bilionários e praticamente perfeitos, a Marvel construiu seu universo ao mesmo tempo em que construía seus personagens. Em Homem de Ferro (Iron Man, 2008), filme que inaugurou toda a franquia, conhecemos um Tony Stark (Robert Downey Jr.) se descobrindo como pessoa e vivendo o glamour de ser um herói midiático. O filme encerra como ele declarando abertamente a imprensa sua identidade. Naquele contexto a frase “Eu sou o Homem de Ferro”, reflete o desejo de Stark pela fama e pelo sucesso. Não por acaso, na cena final do personagem em Ultimato ele repete a mesma frase, porém agora com um sentido completamente diferente. Se em 2008 a frase significou um pensamento egoísta, agora, esta mesma frase representa o puro sentimento de heroísmo, o sacrifício por uma causa maior e a consciência do porquê daquele ato. É perfeito. A conclusão de um arco iniciado há onze anos valendo-se da mesma frase que originou todo esse universo representa toda a evolução, não só do personagem, mas como da Marvel em si.

A Viúva Negra (Scarlett Johansson) e o Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) são o segundo exemplo. Para conseguir a Joia da Alma era necessário alguém sacrificar a pessoa que mais ama. Pela construção da cena somos levados a crer que tanto ela quanto ele estão se sacrificando pelo amor que sentem um pelo outro.  Interpreto diferente. Aqui, estava em jogo dois amores: a responsabilidade de ser um herói e o fato de que um herói nunca deixaria o outro se sacrificar no lugar dele, e a certeza de que o seu sacrifício resultaria em um bem maior. Era inadmissível para nenhum dos dois deixar que o outro se submetesse ao risco. Entendo que tenha sido a luta em si, não por decidir quem se sacrificaria, mas por fazer de tudo para não perder a vida do outro, que rendeu a Joia da Alma. O amor pelo outro no sentido coletivo da palavra.




O fim

Ultimato marca o final de uma década de filmes. E é muito bom que isso aconteceu sem gatilhos, cenas pós créditos ou chances de um novo começo. Somos apaixonados por ouvir histórias, mas o ouvir só faz sentido pois caminha para um desfecho. E Ultimato encerra da melhor forma possível toda uma geração de heróis e de fãs. O sentimento de perda no final do filme é o maior exemplo disso. Isso é bom e faz parte da vida.

O ciclo da vida se resume a chegadas e partidas. É com as chegadas que ela nos surpreende e com as partidas que nos ensina. Vivemos tempos em que parece que está cada vez mais difícil deixar o passado de lado para “seguir em frente”. E essa é uma importante lição, a necessidade do fim para iniciar um novo começo. Em Star Wars: Os Últimos Jedi (Star Wars: The Last Jedi, 2017) esse mesmo conceito é apresentado. A troca de gerações e a necessidade de se encerrar um ciclo para dar início a outro. Naquele caso, o filme foi muito criticado por não “representar” os primeiros filmes. São pontos de vista. No caso de Vingadores, essa conclusão parece ter sido mais aceita. E isso é bom. Que venham os novos filmes da Marvel, que venham novos heróis, que eles se inspirem em Homem de Ferro, Capitão América, Hulk, Thor, Viúva Negra e Gavião Arqueiro e construam seus próprios caminhos. Afinal, o sentido da vida passa por isso. Ter orgulho do nosso passado, e em respeito a ele, fazer um futuro cada vez melhor.

Avangers Assemble!!!

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