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A Incrível História de Adaline





A Incrível História de Adaline (The Age of Adaline, 2015), é um melodrama convicto, que mistura viagem no tempo, astronomia, ficção e realidade. Uma história leve, que não pede uma visão mais apurada de seus personagens, mas agrada e simpatiza em seu tom.

Na trama, Adaline é uma mulher que, após um acidente de carro, perde a capacidade de envelhecer, ficando “presa” aos seus 29 anos. O desenrolar da história traz a protagonista lutando para viver sua vida, ao mesmo tempo que esconde seu segredo do mundo. Fato este que a impede de manter relacionamentos duradouros, mudando-se de cidade a cada década.

Diferente de outros filmes que abordam a questão de viagem no tempo, Adaline entende sua condição como uma maldição, como fator que a prende ao seu mundo, escondida, e sem a liberdade de revelar seu segredo aos outros.

O filme não busca aprofundar-se muito na personalidade da protagonista, desenrolando-se como uma carona passageira por momentos de sua vida. E, assim como não busca por respostas internas, o longa também não se preocupa com o externo, tratando o ocorrido com Adaline como um acidente cósmico improvável, conduzido por uma narração teatral, que dá ares surreais ao caso.

Não vejo estes aspectos como problemas, visto que o filme vai de encontro a sua proposta, uma vez que ao perder em profundidade, acaba ganhando em leveza. O que acaba resultando em uma trama que corre solta e é divertida. E por mais que tropece em alguns clichês que todo melodrama que se preze acaba contendo, sua essência não se perde. A química do casal demora, mas acontece, mesmo perdendo força no terceiro ato, que apresenta um Harrison Ford sensível e austero.

Mesmo fantasioso, o enredo é verossímil. Nunca soa como impossível e é fácil deixar-se levar pela história. Algo que me pareceu mais difícil de engolir no mediano Questão de Tempo (About Time, 2013), que joga seu universo de forma crua a plateia, sem deixá-la conceber sua intenção. Ponto para a direção, que mesmo com falhas (a cena de Harrison Ford jogando a chave para o filho é horrorosa), mantém um ritmo regular em boa parte da trama.

Um ponto bem desenvolvido sobre a protagonista é que esta revela um conhecimento absurdo, adquirido, obviamente de seus vários anos já vividos. No entanto, é curioso e contraditório perceber o vasto universo que guarda dentro de si é fruto de sua condição, e que essa mesma condição é o que a impede de compartilhar seu conhecimento e experiência com qualquer outra pessoa. Em resumo, Adaline tem dentro de si um mundo único de pensamentos e correlações, que é barrado ao primeiro contato com o “mundo real”. Interessante ver que para muitos, essas mesmas limitações podem ocorrer, independente da necessidade de um acidente cósmico.

Outro ponto muito bem trabalhado é a cidade de San Francisco e a ponte Golden State como personagens praticamente vivos da história, uma vez que transformam-se no elo que liga Adaline à toda a sua história e, de certa forma, em parceiros, alguém que a acompanha de forma ininterrupta durante tantos anos. Motivos estes que talvez façam doer ainda mais as partidas que se encaminham em sua vida. O concreto da cidade é o único refúgio de suas memórias, uma vez que as pessoas deixam de serem fontes seguras.

Mas além de Adaline, dos demais atores e da cidade, quem atrai todas as atenções no longa é o tempo, e o fato de, ao mesmo tempo ser justo e avassalador. Tema de inúmeras conversas, poesias, músicas e pensamentos, o tempo aqui, mesmo estático em seu corpo - simbolizando a tão sonhada fonte da juventude - segue perverso. Percebemos que de nada adiantaria a imortalidade se esta não é compartilhada. O tempo então é irmão da solidão. Deixar de segui-lo é isolar-se. Idem se frente a ele colocar-se. Talvez por essas e por outras que sentimentos como a saudade e a nostalgia nos sejam tão ternos. Irredutível como é, o tempo não nos dá chances de vivermos tantas vidas quanto queremos. Ansiedade que nos atinge, acabamos por, ao invés de viver uma única vida bem vivida, em não viver nenhuma, saudosos ao passado e regrados ao futuro. Ao fim de tudo, escravos é o que permanecemos de um tempo que corre, voa. De onde que não temos a mínima ideia para aonde vamos e nem sequer de onde viemos.



Outra ótima metáfora que o filme trabalha é relacionada ao cometa descoberto por Ford. Essa mais lógica, remete ao quão somos sucessíveis a fatos isolados ou até mesmo “milagres” para encontrarmos respostas, costumes ou até mesmo esperança. Na trama em questão, o trivial deixou de ser rotina para Ford. Uma vez deparado com o cometa de sua vida, o sentido ou o propósito da mesma deixa de ser algo a ser alcançável para tornar-se insuperável. É como provar o gosto mais doce logo cedo, e o paladar ficar amargo para os demais sabores. Temos aqui um dilema: seguir buscando algo mais doce ou contentar-se com o amargo?

Por fim, “A Incrível História de Adaline” revela-se um filme leve, divertido e perfeito para uma tarde de chuva. No entanto suas sutilizas não impedem uma análise mais contemplativa da própria vida, que assim como a fantasia vivia pela protagonista, nunca pode deixar de ser uma mera passagem de tempo.




Comentários

  1. Esse é um filme com uma história muito linda. Harrison Ford sempre tem succeso no seus filmes, se entrega a cada um dos seus projetos. Em Blade Runner 2049 a história é maravilhosa, ancho que é um dos melhores filmes de Harrison Ford amei tudo tem um ótimo design de produção, uma boa thrila sonora, fiquei emocionada, fez uma atuação maravilhosa, o filme tem uma grande historia e acho que o papel que ele interpreta caiu como uma luva, sem dúvida vou ver este filme novamente.

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