Eu deveria ter assistido a esse filme de terno, tanto é a classe e sofisticação que cada cena “O Ano Mais Violento”, longa escrito e dirigido por J. C. Chandor apresenta a seu público. Trabalhado com uma fotografia fantástica de tons amarelos, o diretor compõe uma charmosa e obscura Nova York dos anos 80 por meio de uma câmera que parece deslizar frente aos olhos do espectador. Junto a isso, uma trilha sonora que mistura muito do R&B, blues e jazz característicos da região, complementa perfeitamente o cenário para a trama.
O filme conta a história de Abel Morales (Oscar Isaac), um empresário do ramo do petróleo que durante a compra de um importante terreno para ampliar seu negócio, vê seus caminhões serem roubados misteriosamente e sua empresa ser investigada pela polícia local por possíveis irregularidades fiscais.
Mais do que a luta por manter sua empresa nos trilhos, “O Ano Mais Violento” fala sobre os percalços que uma sociedade gananciosa oferece e o quanto é difícil seguir um caminho honesto em meio a um mercado já corrompido. Porém, em meio o todo esse universo, o grande destaque do filme está na relação nunca linear de Abel e Anna Morales (Jessica Chastain).
O modo como o casal de protagonistas é apresentado, inclusive, introduz muito do que são, uma vez que Abel corre sozinho, exposto, junto ao amanhecer, e Anna surge em casa se maquiando ou talvez ainda se preparando para a história que veremos a seguir. Ao mesmo passo em que Abel surge disposto, porém cansado, vemos sua parceira, preparada, com olhar sério e serena. O primeiro diálogo do casal também reflete os preparativos para a maratona de tensão que virá a seguir:
- Pronta?;
- Sim!
- Está segura disso?
- Sim!
Como um todo, a relação entre os dois é fantástica e composta por muitos diálogos em que ambos medem forças. Em dado momento, quando Abel interpreta Anna de maneira equivocada, em uma única fala ela consegue revidar a conversa a seu pretexto. O curioso aí é que a câmera, ao invés de voltar-se para Anna durante sua fala, mantém-se em Abel, aonde vemos instantaneamente sua mudança de expressão em questão de segundos. No corte seguinte, a cabeça de Abel, que a olhava de frente, agora está cabisbaixa, ao mesmo tempo em que seu olhar já não é mais direto. Não bastasse, a cena revira o jogo em seu final, ao passo em que Anna diz: “Você não vai gostar do que vai acontecer se por acaso eu me envolver”; Abel levanta-se, volta a ficar de frente a Anna para dizer: “Não faça isso!”; é quando ela responde: “Eu não vou!”. Na sequência são interrompidos por um terceiro. Ou seja, para os demais, é Abel quem comanda toda a situação. Mas isso retrata realmente a relação?
Detalhes que mostram o quanto Abel cede a Anna, e quanto poder ela carrega sobre ele. Essa conexão persiste por todo o filme e só cresce, o que aumenta também, o vínculo com o expectador e seu suspense junto a trama.
Outro fator interessante é notar como o roteiro vai jogando momentos do passado dos personagens por diálogos que surgem organicamente dentro do roteiro. Assim vamos construindo e montando a história de forma indireta, conforme acompanhamos conversas, comentários e até mesmo expressões. Aliás, o filme esbanja sutilezas. Dentre elas, por exemplo, quando vemos Anna entrando em uma garagem aonde guarda documentos antigos de sua empresa, e seu corpo é tomado por uma sombra, sinal que algo obscuro está a esconder. Ou o diálogo entre o representante do sindicado dos motoristas e o advogado da empresa, ao qual o primeiro usa o termo “sua empresa” ao segundo. Ou por fim, o fato do escritório de Abel exibir certificados e alvarás, buscando mostrar a todos a legalidade sua e de seu negócio.
A utilização dos coadjuvantes para compor o enredo também é muito bem amarrada. Suas histórias servem tanto para reforçar o caráter e personalidade dos protagonistas, como para dar sequência a história e acrescentá-la.
A montagem do filme também merece destaque. O longa tem o capricho de ser genérico em suas imagens, usando-se de importantes elipses sonoras, tanto para dar o tom de continuidade como para manter o ritmo tenso do filme. Um bom exemplo de edição ocorre quando Abel discursa para um de seus funcionários, e ao mesmo tempo vemos imagens de um segundo funcionário realizando outro trabalho distinto. No entanto, as palavras utilizadas por Abel servem perfeitamente para ambas as situações. Perfeito trabalho de composição e eficiência editorial e narrativa.
O título, “O Ano Mais Violento” trata não somente da violência física, mas dos caminhos que ela toma a qualquer um que queira ambicionar algo nesse pedaço de terra. Aliás, quem é Abel? Um sonhador, um homem justo, correto ou simplesmente alguém que sabe fazer negócios? Sua inocência é verídica ou faz parte do jogo?
Parte da violência que dá título ao filme é a violência que move o mercado. Anna em certo momento diz que Abel é mestre em manter seu ego (no filme travestido de um gigantesco casaco amarelo) fora dos negócios. Realmente, o personagem apresenta diferentes personalidades em casa e no trabalho. Porém essa diferenciação existe de fato? Não deixa de ser curioso a cena em que Abel vai pela primeira vez a sua casa. O empresário desce de seu carro, para em frente a porta e a cena é cortada para uma outra em que trata de sua empresa. O casaco amarelo, que Abel tira na hora de negociar, é o mesmo que sempre o acompanha, está a seu lado em todo o momento, como parte uma extensão de seu corpo.
Por fim, os diálogos finais abrem ainda mais questionamentos sobre quem ele é. Se em dada cena Abel finalmente (e literalmente) consegue estancar o prejuízo que escorria em seu negócio, na cena seguinte ele descobre que quanto mais alto ele sobe, maiores e mais violentos são os desafios.
“O Ano Mais Violento” nada mais é que uma metáfora sobre o destino. Por mais que tenhamos consciência do caminho que estamos seguindo, este nunca vai depender unicamente de nossas decisões ou escolhas. Pois esses caminhos se divergem, se cruzam e muitas vezes desaparecem. Cabe a nós decidir, entre esperar que ele seja refeito ou buscar vias alternativas, quem responde isso é os valores que movem o mercado, sejam eles seus ou daqueles que contigo estão jogando.
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