Em 2015 fez dez anos de um dos momentos mais curiosos na minha adolescência. Um casamento entre duas pessoas que jamais se conheceram pessoalmente e moravam a mais de 3.500 quilômetros de distância.
Em 2005, quando a internet era uma novidade e um lugar ainda inóspito, onde seu acesso era permitido somente após a meia noite, por meio de uma conexão discada, encontrei terreno amigável nas salas de bate papo do site UOL.
Morava em cidade pequena e estava começando a descobrir todo o fascínio dos filmes e do cinema. Sentia necessidade extrema de discutir com outras pessoas as experiências e vivências que os filmes me proporcionavam. Como lá quase ninguém compartilhava dos mesmos gostos, encontrei na internet lugar e pessoas para trocar ideias sobre a sétima arte.
Foi curioso que cheguei a sala por intuição. Simplesmente acessei o site, vi o link do bate papo, cliquei e encontrei uma sala exclusiva para falar abertamente sobre cinema com mais de cinquenta pessoas.
Na página de acesso era solicitado a criação de um apelido. Para socializar, meio óbvio, pensei em um nome relacionado a alguma personalidade do cinema. Na época era fã incondicional do diretor indiano M. Night Shyamalan, que fez sucesso com filmes como O Sexto Sentido, Corpo Fechado e Sinais. Foi o primeiro nome que me veio à cabeça. Digitei M. Night Shyamalan, escolhi a cor verde e entrei.
Na época o filme A Vila, de Shyamalan acabara de ser lançado e dividira a opinião da crítica mundial, assim como Sinais havia feito. São filmes que você ama ou odeia. E naquela sala existiam muitos que amavam e muitos que odiavam. Entrei no debate instantaneamente, discutia com cinco, seis pessoas ao mesmo tempo defendendo meus pontos sobre o filme, ouvindo observações contrárias, aprendendo e ensinando. Tinha gostado da experiência.
No outro dia resolvi voltar a mesma sala. O horário foi o mesmo – na época não existia internet a não ser de madrugada - e para a minha surpresa praticamente todos os personagens que havia conversado na primeira noite estavam lá novamente. Era eles, Mestre do Terror, Mark Dakaskos, RUSSEL CROWE, DANA SCULLY, Efeito Mariposa, Sindel, hitchcock, Gollum Jr, QUENTIN TARANTINO, Cristian Bale, Maximus, Power Puff Girl, The godfather, Serendipity, Eowyn, Kate Beckinsale, Jane Smith, Pânico... eram muitos. Uma pena não lembrar o nome de todos.
A convivência com essas pessoas foi algo atípico, era como sair para um bar, encontrar os amigos e trocar algumas ideias. Muitas vezes o cinema, fator propulsor do encontro, deixava de ser o tema principal das conversas, que viravam histórias da vida pessoal de cada um. A grande maioria era das regiões Sudeste e Nordeste. Era o único gaúcho. Lembro de uma garota do Paraná, outra de Minas Gerais, Ceará, Rio Grande do Norte, São Paulo, Rio de Janeiro... cada um contava a sua realidade, suas histórias.
Não tínhamos preconceitos naquele grupo, conhecíamos um ao outro unicamente pelo apelido, sem fotos ou estereótipos. A única avaliação que fazíamos era a simpatia e o conhecimento sobre cinema. E existiam dos mais variados tipos, alguns verdadeiras enciclopédias de cinema, outros que só analisavam a psicologia dos filmes, outros como eu, meros entusiastas. Cinéfilos eram todos e muitos com um talento incrível para a escrita.
Lembro que era moda na época os blogs/flogs pessoais. Hora e outra discutíamos muito sobre roteiros de filmes, diálogos famosos, etc. Não lembro qual integrante teve a ideia de escrever uma pequena série, dividí-las em capítulos e ir publicando diária ou semanalmente no seu blog pessoal. A ideia pegou, e em questão de semanas tinha em meus favoritos uma dezena de blogs com histórias incríveis, diversas e muito bem escritas pelos integrantes daquela sala. Eram faroestes, terrores, medievais, todas em pílulas textuais escritas por talentosos anônimos.
Lembro que depois de ler os capítulos, íamos a sala para discutir e dar nossa opinião sobre a história em si. Lembro de alguns autores, que para ouvir uma opinião mais franca pediam-na reservadamente, como um amigo que pede ao outro uma dica ou um conselho verdadeiro. E aposto também que para os autores, a ansiedade de ter sua história elogiada por toda a turma, os motivava a escrever cada vez mais e melhor.
O entrosamento entre nós era tão grande que até pequenos casais foram criados dentro da sala, besteiras para a época, algo somente para demonstrar o nível de afetividade que construimos. Eram vistos como brincadeira por todos, mas sempre tinha aquela conversa paralela de: “não mexe com fulana que ela é do ciclano”.
O tempo passou, e não sei por qual razão, a internet evoluir, o tempo ficar mais escasso ou os próprios afazeres de cada um se tornarem cada vez mais importantes, mas a sala foi esvaziando. O Orkut existia, então trocamos alguns contatos que ficaram e se mantiveram. O MSN também recebeu outros. Mas muito poucos migraram para o Facebook e permanecem até hoje. Uma pena.
Mas a breve história dessa turma teve um acontecimento que, possivelmente, deixará essa sala inesquecível para muitos de nós. Dentre os “casais” criados nela, o primeiro e principal foi entre DANA SCULLY e Mestre do Terror, posteriormente descobrimos tratar-se de Fabiana e Daniel. Em certa noite, durante conversas na sala, os dois nos informaram que iriam morar juntos. Acontece que o Daniel morava em Natal, no Rio Grande do Norte, e a Fabiana em Cascavel, no Paraná. São mais de 3.500 quilômetros de distância. De início todo mundo riu, mas a conversa era séria. O Daniel estava viajando para morar com ela no Paraná, iriam se casar.
Dias depois, recebemos fotos dos dois juntos. E tempo depois, quando a sala já não era mais a mesma, as fotos do primeiro filho, o David, que hoje tem 8 anos. Eles nos contavam como estava o convívio juntos, as dificuldades, as alegrias. Nos sentíamos como padrinhos daquela união, improvável e incrível.
Um dos últimos contatos que tive com eles foi um e-mail de abril de 2006, com um convite para uma festa de Halloween na casa deles, em Cascavel. A programação incluía filmes, é claro, e até uma visita a uma casa dita como mal assombrada. Não pude comparecer, não sei também se a festa ocorreu, mas tenho certeza que se alguns daquela pequena e insignificante sala de bate papo estiveram presentes, a diversão foi garantida.
Muitos anos depois, lembro que tentei voltar ao mesmo local e ver se, por um novo acaso do destino, encontraria uma mesma turma como a nossa. A sala tinha cerca de 20 pessoas, todos falavam no reservado, ninguém publicamente, como costumávamos fazer, e nenhum nome conhecido. Tentei puxar assunto com uma guria perguntando se ela tinha gostado do novo filme do Quentin Tarantino:
- Oi, e aí, tudo bem? O que achou do novo filme do Tarantino?
- Quem?
- Tarantino. Bastardos Inglórios!
- Do que está falando?
- Ora, não conhece Tarantino?
- Não!
- Então o que você faz em uma sala sobre cinema?
- O que você acha que pessoas vem fazer numa fala de cinema?
- ...
- Namorar!
Por mais incrível que possa parecer, ela tinha combinado com outra pessoa de se encontrar, por meio de conversa reservada, num lugar que os dois entendiam exercer uma certa privacidade, uma sala de cinema.
Depois do episódio nunca mais voltei a acessar a sala. Acredito que aquelas pessoas, aquela época e aquelas conversas dificilmente se repetiriam. Mas é incrível imaginar o quanto aquela sala fez pelas pessoas que lá passavam uma breve parte de seu tempo. No meu caso foi somente fortalecer minha paixão pelo cinema. No caso da Fabiana e do Daniel, constituir uma família. E para todos que lá conviveram, boas e eternas memórias. Saudades da sala de cinema do UOL, e de um tempo que nunca mais vai voltar.
Andre, nossa, acabei de ler, estou sem palavras, chorei lendo o seu texto, chorei, cara... é impressionante o qt vc lembra dos detalhezinhos, o qt vc me fez voltar no tempo, para o ano de 2005 e vivenciar, mesmo que em pensamento, as coisas que nós vivíamos naquela sala.....
ResponderExcluirE que triste vc voltado pra lá sozinho, encontrando a sala totalmente mudada, e ninguém mais da turminha la.... Todos deveriam ler esse texto, é uma pena que perdemos o contato com a maioria, né? Nossa, uma pena mesmo.....
Obrigada por se lembrar tão bem, por nos citar, por ter feito parte da minha vida dez anos atrás, amigo, vc e o resto da turma fizeram muita diferença na minha vida, a sala de cinema Uol fez muita diferença, me acrescentou coisas maravilhosas na vida, não apenas o Dani (por mais que o casamento tenha terminado, hoje somos amigos) e o David , mas vc e os outros....
Fiquei triste e feliz com tudo o que vc escreveu. Triste por saber que é um tempo que não volta mais e que talvez muitos nem se lembrem.... e feliz por saber que vc se lembra, que te marcou, assim como marcou a mim, e que pra nós, esses momentos juntos nunca serão esquecidos....
Abração, Andre Shyamalan, kkkk, e saiba que vc me fez chorar... texto maravilhoso!
*-*
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ResponderExcluirNossa,cara,emocionante! Arrepiante! Fiz parte dessa época de ouro...madrugadas e mais madrugadas maravilhosas... isso não tem preço! Sinto muita saudade dessa época... A cada filme Que assisto,me recordo daquela época mágica...nossas resenhas,críticas,dos Quiz, Kkkkkkkkkkkkk. É uma pena que o tempo não volte mais... deu uma baitaaaa saudade e só tem uma palavra pra expressar tudo isso: NOSTALGIAAAAAA!!!!! Parabéns pelo belo texto! Você arrasou! Um grande abraço de seu velho amigo, Keanu Depp Rockêro! Até...
ResponderExcluirBelo texto! Também sou saudosista por natureza. O chat foi muito importante pra todas essas pessoas mencionadas por você e muitas outras. Graças a uma privilegiada memória, lembro de muitas, muitas coisas e inúmeras pessoas. Até mesmo de escrever contos de horror e esperar pela reação da pessoa morta no conto, comentando horas depois, no chat.
ResponderExcluirBons tempos! Saudades dessa época boa da minha adolescência. Noites adentro conversando e participando dos Quiz. Com a galera no MSN... Nostalgia total. Saudosismo a mil... ;)
ResponderExcluirNossa André, que texto incrivelmente bem escrito!! Achei excelente!!!
ResponderExcluirPreciso perguntar, por acaso você estudou num Colégio chamado Teófilo Rezende lá pra sétima, oitava série??
hehehehe, se sim, esse mundo é mesmo muito pequeno!! :)