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Goodbye Breaking Bad (e discursos sobre o futuro da televisão)

(com spoilers)

Breaking Bad terminou há duas semanas, mas a passagem da série merecia destaque neste blog. Depois de dias tumultuados, eis que surge uma hora de folga para descrever tudo o que foi Breaking Bad em poucas palavras.
De início, vale destacar o marco que a série estabelece na história da TV. Nunca fui um grande apreciador de séries e deixando de lado comédias e sitcoms, são poucas as que acompanhei do início ao fim e mais raras ainda aquelas que após o término, me deixaram tão órfão. Posso dizer que o primeiro caso aconteceu com Breaking Bad.
                E por acompanhar pouco as séries americanas, não posso afirmar que ela foi a melhor já produzida (como a critica vem dizendo), mas posso afirmar, sem erros, que foi a melhor que já assisti.  Vamos aos motivos dessa afirmação:



Breaking Bad foi produzida pelo canal pago AMC, que tem a maior parte de sua renda vinda de seus assinantes e não de publicidade, o que dá liberdade extrema a seus produtores e criadores em desenvolverem trabalhos artísticos mais elaboradores e sem a preocupação de apelar para audiência, agradar a família ou cortar cenas consideradas fortes ao padrão atual. E liberdade artística é o que sobra em Breaking Bad. A história não é nem um pouco atraente: Walter White, um professor de física derrotado e beirando os cinquenta anos é diagnosticado com câncer, depara-se com um fim próximo e percebe que não possui nenhuma renda extra para deixar para a mulher grávida e o filho com paralisia cerebral. A solução encontrada é entrar para o mundo do crime, juntando-se a um ex-aluno na produção de metanfetamina em um trailer no meio do deserto.
Já nas duas primeiras temporadas, que possuem um ritmo mais lento comparadas às demais, percebe-se o primeiro trunfo da série; a química entre Bryan Cranston (Walter White) e Aaron Paul (Jesse Pinkman). A relação entre os dois é o motivo para o expectador continuar acompanhando a narrativa, mesmo com episódios cansativos ou sem surpresas. Mesmo assim, o roteiro de Vince Gilligan está longe (muuuito longe) de ser considerado fraco. Sobre este ponto é importante observar o trabalho de atuação executado pelo casting principal, que mostra uma evolução absurda da primeira temporada, com atuações leves e contidas até a explosão épica que é a quinta temporada (a cara de medo e pavor que Walter apresentava nos primeiros episódios é praticamente nula no seu desfecho). Vince elabora também um roteiro corajoso, sem medo de arriscar, de dar fim a personagens importantes no meio da história e elaborar reviravoltas geniais e dignas de...Walter White?
A direção de arte e a fotografia da série são cinematográficas. Um banho de profissionalismo e refino por parte da equipe técnica e muito pelo perfeccionismo de Gilligan. O trabalho de cores e sombras produzido em Breaking Bad é uma aula de cinema dentro da TV (vide o roxo eterno nas roupas de Marie, o branco de Skyler que com o desenrolar da história vira bege, as cores coloridas de Pikman que desbotam com sua desgraça e o mergulho intenso em sombras quando White aciona seu lado Heisenberg).
A direção firme e competente do elenco de diretores da série deixou ao longo desses cinco anos cenas e episódios memoráveis. Dentre os poucos que gravei, Michelle MacLaren foi a que mais me encantou, e seu nome nos créditos iniciais eram a certeza de um episódio histórico. E o próximo Gilligan, dirigindo o último e impecável capítulo, a até Bryan Cranston, que expôs sua habilidade na direção durante um episódio da quinta temporada. É importante salientar que mesmo seus diretores inserindo sua individualidade nos episódios (o que é mais que necessário), Breaking Bad em nenhum momento perdeu sua essência (White sempre angulado de baixo, Hank visto em cenários animados, Jesse preso e sua eterna infelicidade...) e também a preocupação em sempre ambientar a série. Albuquerque ficou eternizada, assim como a casa dos White, as tomadas belíssimas no deserto e o escritório quase caricato de Saul.
Por fim, a trilha sonora e a harmonia perfeita que David Porter construiu entre cinema e música. Breaking Bad levou consigo cenas que ficarão para a história somente pela composição quase artesanal entre vídeo e música. O garimpo realizado por Porter para encaixar perfeitamente e detalhadamente é motivo de apreciação por anos. Não coincidentemente, a última cena de toda a série tem como áudio os versos de Baby Blue, do Badfinger, que resumem e explicam inteiramente toda a trajetória de Heisenberg.
É por essas e por outras que Breaking Bad firma-se como parte da história da TV. A série trouxe para um canal puramente de entretenimento a arte do cinema, concedeu a seus diretores a liberdade artística que foi repassada para 4 milhões de pessoas que acompanhavam ansiosos todos os episódios e para 10 milhões que viram seu desfecho no dia 29 de setembro.
Breaking Bad é vencedora por isso, por mostrar que um conteúdo de inteligência racional e artística, pode sim, ser visto e idolatrado pelas massas e em horário nobre. É longe o debate que questiona se a TV transmite o que o povo quer ver, ou se o povo vê o que gosta. Vince Gilligan mostrou uma terceira via, de que a população quer ver entretenimento sim, mas com qualidade e respeito a seu público.
Enquanto uma novela continuar a apresentar uma linguagem televisiva engessada, sem nenhum trabalho de direção, atuação ou qualquer outro departamento que envolva a arte, o seu público vai continuar mantendo-se passivo, engolindo por verdade tudo que para ele é vendido.
A cada episódio, além de ensinar cinema de alta qualidade, a série me fez questionar valores, ética, moral e o limite da liberdade individual de cada ser humano. A cada episódio milhares de pessoas corriam a fóruns na internet, roda de amigos, blogs, entre outros, para expressar sua opinião sobre o desenrolar que a história tomou ou escrever textos como este.
O principal louvor de Gilligan e companhia está aí, em confiar em seu público e fazê-lo parceiro da história, propondo a ele essa discussão, e olha que não foram poucas.
Com o fim de Breaking Bad, esperamos ansiosos por uma nova série que retome seu lugar, que coloque ainda muito mais cinema dentro da televisão, e que tire da cabeça a ideia de que entretenimento é desligar-se do mundo. Dia 29 de setembro pode ser considerado uma data de revolução para o conceito de televisão, mas enquanto a segunda parte dessa revolta não chega, continuemos órfãos e lamentando o fim de uma obra de arte. Goodbye Breaking Bad!


CONTINUA


Abaixo, duas das músicas que compuseram a trilha de BB. A dançante Crystal Blue Persuasion e a já eternizada Baby Blue.

Crystal Blue Persuasin - Tommy James


Baby Blue - Badfinger

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