Sim, cinco dias depois, Santa Maria ainda é o assunto que mais meche
comigo. Mas não quero escrever sobre a tragédia, culpados, vítimas, tristeza,
perda ou punição. A questão aqui é seres humanos. Raça perdida num universo sem
fim que não sabe para onde vai e para que fim veio.
No domingo após o
ocorrido, o mundo (ou ao menos o Rio Grande do Sul) entrou em luto automático.
Não era preciso dizer nada, o ar estava pesado, o pensamento sério, as risadas
contidas e o silêncio ecoava. Pessoalmente, minha rotina nos dois dias
seguintes parecera contribuir com isso. Passei o domingo a tarde dirigindo por
seis horas. Voltando das férias e tentando assimilar o tamanho daquela tragédia.
Na segunda-feira outra viagem, pela qual retornei a minha cidade e onde passei
o dia sozinho, organizando o apartamento. Poucas vezes conseguindo mudar o
pensamento.
Comigo, todos em
volta pareciam estar vivendo o mesmo sentimento. Palavras bonitas vinham de
todos os lugares, depoimentos emocionados, reflexivos ou pedindo justiça se
acumulavam nas redes sociais. O Rio Grande do Sul, o Brasil e o mundo falavam, pensavam
e sentiam a mesma coisa, tristeza por vidas tão desconhecidas e tão idênticas
as nossas que partiram sem nenhum aviso.
Nos dias que
procederam à tragédia, parecia que nada mais importava a não ser o alento aos
familiares e a tentativa de ajudar seja de qualquer maneira. As pessoas
esqueceram suas diferenças, não ouve desentendimentos, confusões, discussões em
voz alta. Nos dias que procederam à tragédia, estávamos todos atingidos,
olhares explicavam mais que palavras, surgiu a compreensão, a consciência, o
respeito, a colaboração.
Pena que foi
necessário uma tragédia para relembrar a nós humanos, que cultivamos das mesmas
necessidades, sofremos com as mesmas ameaças e queremos os mesmos sonhos. Viramos pessoas do bem, querendo fazer
presentes e ouvidas, ajudar, se dispor, voluntaria-se, estender a mão. Estou a 270
quilômetros de Santa Maria e consegui sentir tudo isso aqui.
Gestos. Inúmeros
gestos de humanidade vieram à tona. A presidente que abandona uma reunião
internacional e às lagrimas volta a seu país. A empresa que cancela um evento
milionário menos de 24 horas após o ocorrido em respeito às vitimas. Os
voluntários que viraram os dias atendendo desconhecidos. Os estados e países
que não pensaram duas vezes em doar pele, equipamentos, médicos, enfermeiros e
psicólogos para esta causa. Não havia como não se contagiar com tanta
solidariedade. Em meio a uma tragédia, vivíamos em um país das maravilhas, onde
todos se preocupavam com todos, não importando lucro, diferenças ou vaidades.
Porém, aos
poucos, este panorama foi mudando. Os noticiários começaram a diminuir e as
notícias de solidariedade passaram a dar lugar a investigações e a busca por
culpados. Aos poucos o sentimento altruísta gerado pela tragédia foi se
esvaindo e o cotidiano tomando conta. As contas no final do mês começaram a
preocupar, o som alto do vizinho começou a irritar, aquele motorista que me
fechou no trânsito deveria ir para o inferno e o calor da minha cidade é o fim
do mundo. Aos poucos tudo o que foi falado, escrito e compartilhado se perdeu
pelo caminho. O mundo capitalista volta com toda a sua força e nos engole numa
rotina de ganância e poder. O país das maravilhas deixa de existir. A mesma
presidente que derramou lágrimas cinco dias atrás é do mesmo partido que
consentiu com a construção de um estádio de futebol de um bilhão de reais ao
lado de favela. A empresa que cancelou o evento milionário é a mesma que
hipnotiza o povo com novelas burras e programas que premiam o ser humano por
elimina outros de uma competição. O modo
rápido que nos tornou mais humanos e solidários, quando a tragédia foi
anunciada, vai-se embora na mesma velocidade. Fica uma pergunta, a nossa real
natureza é aquela que vivemos por três dias ou esta que nos acompanha
diariamente? Quem sabe não esperamos o próximo desastre para descobrir?
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